Notícias de outras ilhas: Casé Lontra Marques

Notícias de outras ilhas: Casé Lontra Marques
O poeta Casé Lontra Marques (Foto: Mayte Bellesa)

 

Casé Lontra Marques, 34, é poeta. Vive em Vitória (ES), onde cresceu. Publicou Desde o medo já é tarde (7Letras, 2018), entre outros livros. Para a seção “Notícias de outras ilhas” – em que poetas, escritores e tradutores sugerem leituras para o período da quarentena –, indica poemas de Bruna Mitrano, Luci Collin e Mônica de Aquino. A curadoria é de Tarso de Melo. Leia os poemas e o comentário do poeta abaixo.

 

Não é de hoje que venho pensando no perigo de se repudiar a complexidade. Agora, no entanto, tenho me voltado, ainda mais, para essa linha/encruzilhada de meditação. Sem sinal de pacificação à vista — o que pode vir a ser um impulso. Pois é o movimento que me entusiasma. Ou seja: é o fluxo constante de transformações que me permite encontrar energia para subsistir. E muitas vezes vejo que não estou sozinho; apesar da vã (mas violenta) pressão para erradicar da vida o inapreensível, há pessoas abertas ao paradoxo do mundo. À pulsação do paradoxo que talvez seja onde afinal habitamos — sempre à míngua de um sentido que justifique nossa breve presença. Os poemas que selecionei, de Bruna Mitrano, Luci Collin e Mônica de Aquino, cultivam, cada um a seu modo, a potência de uma irresolução, suscitando, dessa maneira, diversas possibilidades de veredas a serem convulsionadas. Isso, convulsionadas: com a serenidade (quem sabe também com a singeleza) de quem abriga em si suculentos abismos.

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[TEM ESPINHOS NA LÍNGUA]

Bruna Mitrano

tem espinhos na língua.
o encontro é quando lambe o racho da minha sola.
até que o primeiro lapso nos levante às pressas —
ensacamos entulhos com sutilezas de rancor.
nada que despossuímos sobrevive ao que gestamos.
é nesse escuro lúcido que soldamos as carnes?
sim, estaremos sempre sozinhos —
guardo nossos segredos com muitas mãos,
seu sangue seco nas minhas coxas.

(Não, Patuá, 2016)

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ARTIFÍCIO

Luci Collin

enquanto tremulo
no meu desabrigo burlesco
a areia escorre e
leva você aos poucos

e eu na minha imprecisão
de métodos e jeitos
entre sopro e um coração inculto
penhoro as lembranças melhores
para reaver você
e a areia volta e
traz você aos poucos

quisera o benefício dos corpos juntos
o anátema dos metais misteriosos
quisera o seu riso sobre o meu
e o seu gozo sobre o meu inúmero

eu colho parcelas torrões excertos eternidades
ordeno as vicissitudes dos lençóis
e vinga o seu perfume na minha mobilidade

nos meus dedos prosperam girassóis
e eu tomo o seu corpo
para corrigir o tempo e sua ferocidade

porque o tempo é triste
de uma tristeza que só se vence
com aquele beijo nosso
indomesticável

com aquela delícia nossa
inamanhecível

(A palavra algo, Iluminuras, 2016)

***

[A UM]

Mônica de Aquino

A um átimo
do amo-te
temo-te.

A um istmo
do íntimo
mente.

De cor, somente
o silêncio:
continente.

E a linguagem
cortejo
(périplo).

Mas o amor:
arquipélago.

(Fundo falso, Relicário, 2018)


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