Notícias de outras ilhas: Carlos Augusto Lima
O escritor Carlos Augusto Lima (Foto: Divulgação)
Carlos Augusto Lima nasceu em Fortaleza (1973). É autor de, entre outros, Dois mil e quatrocentos quilômetros aqui, em parceria com Tarso de Melo, pela Luna Parque (2018), O livro de Carolina (7Letras Editora, 2019) e A medida da luz (Alpharrábio Editora, 2019). Compôs alguns livros-objeto-mínimos, todos fadados ao desaparecimento. Mas nada disso importa, agora. Atualmente, dedica-se a entender o mundo vegetal e o reino dos insetos é seu maior encantamento.
Para a seção “Notícias de outras ilhas” – em que poetas, escritores e tradutores sugerem leituras para o período da quarentena – indica poemas de Paulo Leminski, Carlos Drummond de Andrade e Cacaso. A seção tem curadoria de Tarso de Melo. Leia os poemas e o comentário do poeta abaixo.
Quando o querido Tarso de Melo me pede os tais “poemas para uma ilha” (pois todos somos um pouco Robinsons, menos intrépidos, claro, e muitos muito pouco dados ao fascínio das moedas, das operações da mercancia), antes de qualquer dúvida de sombra sobre o meu desejo de carregar, o que vem a mim, são aqueles versos de muita e pura memória, muito carinho. Os versos que chegaram primeiro, no encanto, no recitar e brincar. O que muito primeiro me chega são os poemas que a gente cismava de quase sozinhos à noite, no bar ou na estrada, ou no batente de casa, decorando, quase como canção: o poema “do peso da lua”, de Paulo Leminski (em “Caprichos e Relaxos”); “Cultura Francesa”, do Drummond, de “Boitempo; o “Táxi”, do Cacaso, no seu “Mar de mineiro”. E tudo isso também me lembra muito do meu amigo-irmão Manoel Ricardo de Lima, de como esses poemas quase-canções davam uma alegria na gente, leitores imberbes, poetas bonitos e fajutos que acreditavam que o mundo poderia ser deles (nosso). Que mundo, mesmo? Aonde o mundo? Hoje já nem se fala mais de mundo, pois o mundo é o perigo. A porta de casa pra fora é tudo risco, temor.
Mas guardo os poemas da ilha que somos agora nós, por dentro, esse lugar impiedoso que é estar em nós. Espero haver onde chegar, um outro lado. Espero haver um outro a quem dizer esses poemas, mais uma vez. Quem sabe? Essa dúvida, essa incerteza, essa espera, botam a gente comovido que só.
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Carrego o peso da lua,
Três paixões mal curadas,
Um saara de páginas,
Essa infinita madrugada.
Viver de noite
Me fez senhor do fogo.
A vocês, eu deixo o sono.
O sonho, não.
Esse, eu mesmo carrego.
Paulo Leminski
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Cultura francesa
Carlos Drummond de Andrade
Com mestre Emílio aprendi
esse pouco de francês
que deu para ler Jarry.
Murilo, diabo na aula,
tinha gestos impossíveis,
que nem macaco na jaula.
Mestre Emílio, tão severo
não via no último banco
o aluno de moral-zero.
Os verbos irregulares
saltavam do meu Halbout,
perdiam-se pelos ares
Nunca mais os encontrei…
Talvez Brigitte Bardot
me ensinasse o que não sei.
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Táxi
Cacaso
O poeta passa de táxi em qualquer canto e lá vê
o amante da empregada doméstica sussurrar
em seu pescoço qualquer podridão deste universo.
Como será o amor das pessoas rudes?
O poeta não se conforma de não conhecer
todas as formas da delicadeza.