Notícias de outras ilhas: Arthur Lungov
O poeta e editor Arthur Lungov (Foto: Arquivo Pessoal)
Arthur Lungov é poeta e editor de poesia da revista Lavoura. É autor de Corpos (Quelônio, 2019), obra que foi contemplada pelo 2° Edital de Publicação de Livros da Cidade de São Paulo; e da plaquete Anticanções (Sebastião Grifo, 2019). Foi publicado em coletâneas e revistas literárias.
Para a seção “Notícias de outras ilhas” – em que poetas, escritores e tradutores sugerem leituras para o período da quarentena – indica poemas de Maíra Mendes Galvão, Ismar Tirelli Neto e Ana Martins Marques. A seção é curada por Tarso de Melo. Leia os poemas e o comentário do poeta abaixo.
A impressão é a de passar o dia inventariando coisas. Inventariando livros, filmes, séries, notícias, fotos, vídeos, lives, canções, poemas, janelas, paisagens, cantos da casa. Recolher os espaços possíveis de habitação e afeto: encontrar alguma possibilidade onde ainda há campo para a movimentação, onde ainda há alguma dimensão de mínima escolha. Selecionei os três poemas como modo também de inventariar: os nomes enquanto meio de trazer à existência o que é visível e invisível, presente e ausente, e a nomeação como condição de haver, no poema de Maíra Mendes Galvão; o perdão impossível daqueles que nos trouxeram de volta o ano de linchamentos, com Ismar Tirelli Neto; e as vidas que surgem em espaço diminuto no jardinzinho (minúsculo maiúsculo) da Ana Martins Marques, regadas ao Sol como eu também sou todo dia de manhã, ao lado da janela. Livros: História concisa da literatura brasileira, o volume O que é música da coleção Primeiros Passos, Nenhuma Poesia do Diego Pansani, Sopa de lágrimas do Gilbert Hernandez, e os contos do João Antônio. Ainda: os filmes de Yorgos Lanthimos, o álbum da Iara Rennó musicando Macunaíma, o novo do Arnaldo Antunes, e gritar contra o presidente todo dia às 20h.
(Despacho)
Maíra Mendes Galvão
não existe nome vazio; se é vazio, não é nome.
a valência gera discurso, o que não se pode provar que é derivação.
a condição de verdade está não no nome mas no mundo real;
e, no mundo real, nome é artefato.
da ano(ni)mia, no entanto, não sai mundo
(real ou irreal) e nem a própria condição de verdade.
embala-nos ou embalsama-nos, portanto,
a madre nossa,
a paquidérmica
indexicabilidade.
***
Scenas da actualidade
Ismar Tirelli Neto
Pelos olhos que triam
que tardes
dirão
intermináveis
Sim foi no ano dos linchamentos
Grisado
Ano de
invasões
dirão O ano
em que voltamos a sofrer como poetas
O ano
em que as estrelas baixaram
dos túmulos Ano
de constelações rearranjadas
a todo o pano
O ano em que descobrimos
que o perdão era impossível
***
Jardinzinho
Ana Martins Marques
Dente-
de-leão
língua-
de-vaca
mão-
de-onça
saia-
branca
coração-
negro
pé-
de-gato
orelha-
de-rato
unha-
de-cavalo
brinco-
de-princesa
cu-
de-cachorro
boca-
de-lobo
cabeça-
de-boi
umbigo-
de vênus
chapéu-
de-sol
cabelo-
de-anjo
olho-
de-dragão
comigo-
ninguém-
pode