Notícias de outras ilhas: Ana Rüsche

Notícias de outras ilhas: Ana Rüsche
A escritora Ana Rüsche (Foto: Arquivo pessoal)

 

Ana Rüsche é escritora. Seus últimos livros são Do amor (Quelônio, 2018) e A telepatia são os outros (Monomito, 2019). Você pode ler, na íntegra, o livro Furiosa (ed. autora, 2016) aqui.

Para a seção “Notícias de outras ilhas” – em que poetas, escritores e tradutores sugerem leituras para o período da quarentena –, indica poemas de Nicanor Parra, Jakob van Hoddis e Mercedes Roffé. A curadoria é de Tarso de Melo. Leia os poemas e o comentário da escritora abaixo.

 

O humor é uma coisa doida nos tempos difíceis que chegaram. Nunca foi tão fundamental rir de si mesmo, se levar menos a sério, tudo para exatamente chegarmos ao âmago das profundas perguntas: como despencamos até aqui? Como sairemos dessa lameira?

Assim, andei revisitando os antipoemas do Parra. Selecionei dois Artefatos Poéticos, ambos tratam de religião de uma forma engraçada, talvez funcione aí do outro lado. Para quem não conhece o poeta, há o artigo “A antipoesia de Nicanor Parra” de João Gabriel Mostazo Lopes, publicado na Cult em janeiro de 2018.

Além de humor, deixo um pouco do insólito, do estranho, da literatura da imaginação e maravilhamento. Escolhi um poema clássico de Jakob van Hoddis, cuja vida se confunde com a tragédia nazista que se abateu na Alemanha, tendo sido provavelmente assassinado num campo de extermínio em 1942. Escolhi a tradução da Claudia Cavalcanti do ótimo livro Poesia expressionista alemã, Estação Liberdade, 2000.

Por fim, deixo um poema vigoroso da poeta argentina Mercedes Roffé, recém-traduzida ao português por João Amando, em As lanternas flutuantes (Lumme, 2019). Creio que precisamos de poemas que ressoam nos ares e nos falam diretamente ao coração a partir desta língua materna da humanidade, a poesia.

 

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(Parra Artefactos Visuales, catálogo de exposição. Idealização Colombina Parra, Hernán Edwards e Marcial Cortés Monroy; Santiago: Universidade de Concepción, 2002).

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O visiotário

Jakob van Hoddis

Lâmpada, não esquente.
Da parede saiu um braço magro de mulher.
Era pálido e tinha veias azuis.
Os dedos estavam carregados de preciosos anéis.
Quando beijei a mão, assustei-me:
Estava viva e quente.
Arranhou-me o rosto.
Peguei uma faca de cozinha e cortei algumas veias.
Um grande gato lambeu graciosamente o sangue do chão.
Entretanto um homem de cabelos arrepiados subiu
Por um cabo da vassoura encostado à parede.

(“Der Visionarr”, de 1918, traduzido por Claudia Cavalcanti em Poesia expressionista alemã, Estação Liberdade, 2000)

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X.

Mercedes Roffé

Todo destino é escândalo
Todo destino em sua
extrema vulnerabilidade
sua nudez
seu escorço
sua violência
é escândalo
de luz e inquietação.

(tradução de João Amando, em Lanternas flutuantes, Lumme, 2019)


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