As utopias e a urgência de sonhar
Detalhe do retrato de Sir Thomas Morus (1527), por Hans Holbein, o Jovem
Tem o eterno, o infinito, o além e o além dos além. Este, vocês ainda não viveram.
Estamira
Em 2 de setembro de 1958, Carolina Maria de Jesus anota em seu diário o seguinte sonho:
“ Eu durmi. E tive um sonho maravilhoso. Sonhei que eu era um anjo. Meu vistido era amplo. Mangas longas cor de rosa. Eu ia da terra para o céu. E pegava as estrelas na mão para contemplá-las. Conversar com as estrelas. Elas organisaram um espetaculo para homenagear-me. Dançavam ao meu redor e formavam um risco luminoso”.
Logo depois dessa anotação, escreve:
“Quando despertei pensei: eu sou tão pobre. Não posso ir num espetaculo, por isso Deus envia-me estes sonhos deslumbrantes pra minh’alma dolorida”.
Carolina Maria de Jesus deixou registrado esse testemunho em seu comovente Quarto de despejo: Diário de uma favelada, publicado em 1960 e traduzido para mais de 13 idiomas. O livro teve grande repercussão no Brasil, atingindo, em pouco tempo, mais de 100 mil exemplares vendidos. A vida dura, quase impossível, que levava às margens do rio Tietê com seus três filhos, na favela do Canindé, em São Paulo, encontrava algum espaço de respiração, de resistência, de força, de sonho, no registro que fazia, quase diariamente, de forma determinada. Em seu relato, deparamos com um terrível cenário da fome no país, do preconceito, do racismo, da desigualdade social, e o Brasil do futuro evocado por Stefan Zweig ainda está muito distante. Essa anotação indica, contudo, seu direito ao sonho. São escritos produzidos diante de muitas urgê
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