Uma mulher forte, porém exausta

Uma mulher forte, porém exausta
(Reprodução)

 

Lugar de Fala é o espaço dos leitores no site da Cult. Todo mês, artigos enviados por eles são publicados de acordo com um tema. O de junho de 2020 é “quarentena”


“Você é forte”, ele me respondeu no aplicativo de mensagens. Foram várias mensagens seguidas dele respondendo um desabafo que fiz – consequência da quarentena. Há muito tempo atrás sofri uma tentativa de violência sexual quando um taxista, no término da corrida, me trancou no carro e me assediou, ali, na deserta Praça Mauá que na época ainda não tinha passado pelo processo de revitalização e o antigo viaduto ajudava a deixar aquele trecho mais escuro, não bastasse a iluminação pública insuficiente. Forcei abrir a porta. Em vão. Só lembro de pedir ajuda a Deus. Um milagre. Ouvi alguém batendo no vidro do carro. Era uma casal de namorados com as mãos unidas, um dos rapazes pedia para abaixar o vidro. Quando o motorista fez isso, aproveitei para forçar o pino que trava a porta, abri o carro e sai correndo até chegar no aniversário de uma amiga.

Relatei isso para T. desabafando sobre a vulnerabilidade que o sexismo impõem, o medo do assédio, da violência sexual que nos cerca a todo momento. Não me sinto livre pois tenho que estar atenta o tempo todo, prevendo se qualquer situação que estou vivendo é suscetível ao ataque masculino. Esse medo tornou-me insegura. E essa sensação de insegurança retorna com a quarentena, o desvio da rotina, a incerteza do futuro, me deixando refém de imagens que me dão a sensação de ameaça. Fiquei tão assustada que mandei mensagens para ele na esperança que uma conversa com um amigo e, também, ex-namorado pudesse ser tranquilizador.

Mas algo no corpo da mensagem dele me deixou ainda mais fragilizada. A princípio não tive reação, sentia-me débil. Incapaz de acreditar se o que eu estava pensando era real. “Sempre te vi como uma pessoa forte.” “tenho essa visão de você, que você se machuca menos, que não precisa tanto de meu auxílio e proteção.” “Curiosamente, as mulheres que namoro são frágeis e precisam, de alguma forma, do meu auxílio. Você não. Você é forte.” Curiosamente as mulheres que ele namorou são brancas, eu sou negra. Eu queria me prender a positividade da sentença final: você é forte, mas infelizmente é essa sentença que me deixa em posição inferior, outside.

Não posso me vangloriar de ser forte porque ser forte tira de mim a feminilidade que ele encontra em outras mulheres (brancas), ser forte tira de mim o valor que ele encontra em outras mulheres (brancas). Eu não posso me sentir feliz por não me enquadrar no estereótipo de feminilidade, pois ele, um homem branco considera esse papel feminino, da mulher frágil, a princesa em apuros esperando seu príncipe encantado para salvá-la apenas às mulheres brancas. Enquanto a mim, enquadrada em todos os aspectos negativos que o sexismo-racismo condiciona às mulheres negras, fui relegada ao papel de mulher forte, que não se machuca, não necessita de proteção. Existe esse papel para mulher mesmo, ou eu não sou uma mulher? Ainda assim:

“Deixando para trás noites de terror e atrocidade
Eu me levanto
Em direção a um novo dia de intensa claridade
Eu me levanto”*.
(Maya Angelou)

 

Simeia S. Santana é livreira e historiadora

 

 

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