Uma comunista convicta
A militante comunista alemã de origem judaica Olga Benario (Arquivo Pessoal)
Olga, nascida em 1908 numa família abastada de Munique, saiu de casa aos 16 anos para participar das lutas da juventude no distrito “vermelho” de Neukölln, em Berlim, junto com Otto Braun, seu namorado e dirigente do Partido Comunista. Foi logo aceita nas fileiras do Partido Comunista Alemão e, em 1928, ficou conhecida por ter participado da libertação de Braun, detido por “alta traição à pátria”. A partir daí, Olga se tornaria uma comunista convicta, disposta a fazer qualquer sacrifício na luta pela revolução. Submeteu-se em Moscou à formação militar e procurou aprofundar seus conhecimentos sobre teoria marxista-leninista. No final de 1934, aceitou com entusiasmo a tarefa de cuidar da segurança de Luiz Carlos Prestes em seu regresso ao Brasil. Ambos deixaram a União Soviética disfarçados de casal endinheirado em lua de mel e, após mais de três meses, chegaram ao Rio. Uma profunda compreensão mútua os deixou apaixonados, e foi assim que se tornaram marido e mulher.
A convivência durou pouco mais de um ano. Em março de 1936, após a derrota dos levantes antifascistas, os dois foram presos e separados para sempre. Na cela da Casa de Detenção da capital da República, Olga descobriu que estava grávida. Sua extradição para a Alemanha nazista foi a maneira de Getúlio Vargas torturar Luiz Carlos Prestes, mas tanto ele como Olga se negaram a fornecer informações. Minha mãe se disse Maria Prestes, mas Filinto Müller, chefe da polícia, conseguiu que a Gestapo identificasse Olga Benario, fichada por “atividades subversivas”. No sétimo mês de gravidez, minha mãe foi levada à força a Hamburgo. Após quase um mês de viagem em total isolamento, chegou ao seu destino, sendo conduzida para a prisão feminina de Barnimstrasse, em Berlim.
Nasci em 27 de novembro de 1936, na enfermaria da prisão. A coragem e o extraordinário controle emocional de Olga permitiram que eu viesse forte e saudável. Meu nome foi escolhido em homenagem a Anita Garibaldi e Leocádia Prestes, minha avó paterna, que soube do meu nascimento quando eu já tinha três meses. Logo após a prisão dos meus pais, ela e a filha Lygia haviam se deslocado de Moscou para Paris, então sede do Comitê Prestes, entidade coordenadora da campanha mundial pela libertação dos presos políticos no Brasil. Com meu nascimento, a campanha alcançou maior repercussão: tratava-se de salvar a vida de uma criança, pois a Gestapo comunicara a Olga que eu seria entregue a um orfanato nazista. Com a ajuda da Cruz Vermelha Internacional, Leocádia obteve permissão para enviar dinheiro, alimentos e roupas.
Fui entregue pela Gestapo à minha avó e à minha tia, estava com 14 meses. Olga escreveu ao meu pai que o período de 5 de março de 1936 (dia da prisão de ambos) a 21 de janeiro de 1938 (quando fomos separadas) foi o mais terrível da sua vida. Minha libertação das garras do nazismo resultou da repercussão mundial da Campanha Prestes, e por isso me considero filha da solidariedade internacional. Após a minha retirada da prisão, Olga foi transferida para o campo de concentração de Lichtenburg, onde as condições de vida pioraram: frio, fome, castigos corporais. Em maio de 1939, foi conduzida ao campo de Ravensbrück e por mais de uma vez levada à sede da Gestapo para interrogatórios, durante os quais jamais delatou ninguém: “Se outros se tornaram traidores, eu jamais o serei!”.
Era considerada uma “comunista perigosa”. Em abril de 1942, foi escolhida para ser assassinada na câmara de gás do campo de Bernburg. Só tivemos confirmação da sua morte em julho de 1945. Muitos anos depois, sempre que falava em Olga, meu pai revelava grande emoção. Por ocasião dos meus aniversários, que muitas vezes passamos distantes, ele me escrevia recordando o nosso compromisso de sermos dignos da memória dela. Meu pai e eu sempre entendemos que Olga foi vítima do fascismo e que seu martírio deve servir de exemplo para que não permitamos que tais horrores se repitam.
Anita Leocádia Prestes é doutora em História Social pela UFF, professora do Programa de Pós-Graduação em História Comparada da UFRJ e presidente do Instituto Luiz Carlos Prestes.