Um samba particular

Um samba particular

Marília Kodic

Criada no Rio de Janeiro pelo homem que, durante 21 anos, foi diretor cultural da Mangueira, era de esperar que o tema do primeiro longa-metragem de Georgia Guerra-Peixe, 45, O Samba que Mora em Mim, fosse sobre samba. Mas não é. Desde a adolescência, a relação de Georgia com o gênero musical é de distância, mas intrínseca à sua essência: “Na minha casa, nunca teve um CD de samba. Não escuto nem no Carnaval. Contudo, sou refém dele. É acolhedor pra mim, me emociona. Ele entra pela mão da minha formação, não como música, mas como uma vontade de conhecer quem está por trás, e é por isso que é o samba que mora em mim”, diz.

Assim, o documentário em primeira pessoa nasce de uma reflexão da infância e se transforma na história dos moradores da comunidade. “São pessoas anônimas, desconhecidas, mas que passam algo especial: acreditam na cooperação e na troca, e sentem quanto a Estação Primeira de Mangueira é importante para a sociedade, mesmo que não entendam muito bem por quê”, conta Georgia, que diz ter escolhido os personagens de forma intuitiva e emocional.

Uma câmera discreta e contemplativa ora sobe o morro num passeio suave, ao acompanhar os passos de Cosminho, que diz morar no próprio sapato e vive de passear pelas vielas onde todos o conhecem; ora entra como uma velha amiga, como na casa de vó Lucíola, a centenária que, para Georgia, simboliza a energia do morro. “Quem é bom não se mistura. Como eu não sou boa, não vou me misturar com quem é pior do que eu”, diz, com a sabedoria de quem já viveu muitos anos.

Com pouca luz e clima intimista, a intenção de Georgia era aproximar o universo dos personagens ao do espectador: “Entro quase dentro do cachimbo dessa senhora. Parece que estamos dentro dessas pessoas. Eu quis quebrar esse conceito preestabelecido de que as câmeras entram no morro rápidas, nervosas. Queria passar para a plateia um pouco desse respeito e carinho que tenho por aquelas pessoas”, diz.

Justamente por ousar abandonar o Brasil caricato, de violência e miséria, O Samba que Mora em Mim ganhou o Prêmio Especial do Júri Oficial (Documentários) na 34ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo. “Era a primeira vez que uma cineasta brasileira retratava o morro sem agressão, sem palavrões, e também sem camuflagem. Não é um filme moralizador, é um filme de pessoas. Pessoas que vivem uma vida difícil sim, mas daquele jeito que está ali: com alegria, com esperança e com felicidade”. O filme entra em cartaz no dia 11 deste mês, em São Paulo e no Rio de Janeiro.

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