Trabalho doméstico e o mito da felicidade na exploração
(Arte Revista CULT)
Por Janaína Costa
Vivemos um período em que questionar a exploração do trabalhador se torna automaticamente sinônimo de ingratidão, pois por existir um grande excedente de mão-de-obra ociosa, o simples fato de questionar seus direitos mínimos te coloca na rua e a substituição é imediata. Partindo para a discussão a respeito das empregadas domésticas, esse medo é constante, pois se perder o emprego tem que ser de forma amigável – ou não darão a referência para que ela consiga um novo trabalho, pois até uma simples referência depende da boa vontade do empregador – e se ela, assim como todo trabalhador, tiver obrigações no fim do mês, vai acabar se sujeitando a situações que chegam a beirar o cúmulo do absurdo.
São necessidades que mantêm essa pessoa em lugares que sugam sua energia, mas que antes de tudo estão legitimadas pelas seguintes questões: “e se eu sair agora? Como vou pagar o aluguel? Como vou cuidar do meu filho?” Tudo está interligado e nisso a desigualdade social alarmante dá o aval para que coisas desse tipo sigam acontecendo “normalmente”.
Nesse sentido, é possível notar uma desonestidade muito grande por parte dos que dizem “se não está feliz, é só sair”, pois isso não significa que essa funcionária não tenha dignidade ou respeito aos seus limites, mas sim que ela, antes de tudo, tem uma necessidade, que é legitimada por uma desigualdade.
Quando pensamos na questão da empregada doméstica negra, um fator pode ser somado a essa exploração, não bastando a opressão por classe, a opressão racial pode ser identificado como o maior fator que legitima essa permanência em postos subalternizados. E mesmo que essa funcionária negra se imponha de forma ativa, e largue essa função, existem milhares de outras mulheres negras na subalternidade, que ocuparão esse cargo de modo imediato, na maioria das vezes com um salário ainda menor, pois a grande reserva de mão de obra no Brasil é composta por pessoas negras.
Para melhor elucidar o que foi dito anteriormente, cito um trecho da obra de Silvio Almeida, intitulada O que é racismo estrutural?:
“Poder-se-ia dizer que o racismo normaliza a superexploração do trabalho, que consiste no pagamento de remuneração abaixo do valor necessário para a reposição da força de trabalho e maior exploração física do trabalhador, o que pode ser exemplificado com o trabalhador ou trabalhadora que não consegue com o salário sustentar a própria família a ou o faz com muita dificuldade, e isso independentemente do número de horas que trabalhe. A superexploração do trabalho ocorre especialmente na chamada periferia, onde em geral o capitalismo se instalou sob a lógica colonialista. O racismo, certamente, não é estranho à expansão colonial e à violência dos processos de acumulação primitiva de capital que liberam os elementos constitutivos da sociedade capitalista.”
Essa trabalhadora, na maioria dos casos, não escolhe pelo trabalho doméstico. Tratando-se de uma mulher negra, essa é a função que a sociedade – seja através da grande mídia ou do imaginário social que se cria a partir das representações propagadas – reforça que seja correta para ela. E o racismo age em parceria com o capitalismo: mesmo numa incessante luta para fugir dessa função, a grande maioria não consegue, pois essa função está apoiada numa mentalidade escravocrata, diariamente naturalizada pelo imaginário social como “coisa de preta/preto.”
Ninguém em sã consciência opta pela exploração, pela humilhação, por dormir em quartinhos com dimensões de uma caixa de sapato, por comer os restos, ou até não comer. Essa trabalhadora não tem opções além de morrer de fome ou se sujeitar. Ela se sujeitará mesmo com as dificuldades, pois tem que garantir sua sobrevivência e a sobrevivência dos seus. Entendam que mesmo se sujeitando a escalas abusivas, a salários baixos e condições desumanas, isso não significa simplesmente dizer que não exista dignidade, que não exista a vontade de simplesmente ir embora. Isso existe, mas o capitalismo e o racismo ainda são instrumentos de desumanização e exploração que a cada dia que passa ganham força e se encontram cada vez mais alinhados.
Com a tomada de consciência de classe, de consciência racial dessa trabalhadora ou trabalhador, surgem também novas perspectivas em relação ao futuro, seja pensando numa revolução ou simplesmente entendendo que sua condição de explorado não é consequência do seu fracasso pessoal, da falta de esforço, e que os culpados não podem ser simplesmente individualizados. Os culpados se apresentam na forma de sistemas que precisam ser combatidos, pois são eles que impulsionam essas desigualdades – nesse caso, a opressão por meio da harmonia existente entre racismo e capitalismo.