Sombras luminosas
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Sinto que os sentidos tanto da ficção quanto da não-ficção florescem quando são veículos para o poético e talvez tenham surgido para isso. Possivelmente os melhores poemas de Anne Carson sejam seus ensaios. Sombras longas, de Patricia Lavelle, publicado pela Relicário Edições, é um livro de poemas imantado por uma poética do ensaio ou do ensaio como poema. É como se o poético esticasse suas raízes para fora. Em vários momentos do livro o eu lírico se desdobra através das imagens, magnetizado por pontos barthesianos onírica e dialogicamente justapostos no mundo. Trata-se de um livro escrito com os olhos costurados nas mãos construindo uma segunda boca para a voz do pensamento poder conversar com a falsa mudez das imagens. Há também uma dicção de diário que é literal na série Confinamento e sutilíssima em outras partes do livro, apesar disso Sombras longas felizmente está bem longe da poesia confessional que de certa forma sofre um esgotamento desde que foi sutilmente corrompida pela autoficção. Há aqui uma transfiguração do eu como um auto investigação de si pela outridade, principalmente na série denominada “Pontos de vista”. Trata-se de um livro-uroboro, providencialmente publicado em uma época na qual a humanidade devora a si mesma.
Marcelo Ariel é Poeta e ensaísta, é autor de Nascer é um incêndio ao contrário (Kotter) e Afastar-se para perto: Ficção-Vida (Reformatório).