Sobre solitude, solidão e a dor de viver

Sobre solitude, solidão e a dor de viver
(Foto: Jason Briscoe/Unsplash)

 

Lugar de fala é o espaço dos leitores no site da Cult. Todo mês, artigos enviados por eles são publicados de acordo com um tema. O de agosto de 2020 é “solidão”.


Gostaria de começar contando um pouco a respeito da minha trajetória antes e durante a quarentena da pandemia do novo coronavírus. O meu distanciamento social começou antes da chegada da covid-19 no Brasil. Por ocorrências da vida, me isolei por motivos que me causaram muita dor e sofrimento. Isolado socialmente desde meados de outubro de 2019, eu estava em Belo Horizonte, Minas Gerais, vivendo o que era para ser apenas uma vida universitária. Me envolvendo em relações vazias, às vezes deixando de cuidar de mim e me perceber vivo por estar cheio de desonra, e rodeado de tanta solidão.

Afinal, o que me causou a solidão? Virginiano mutável, me sinto sozinho  desde o fim da adolescência, início da vida adulta. Mas existe uma diferença entre sentir-se sozinho e estar sozinho. A solidão pode ser boa ou destrutiva, dependendo do ponto de vista e assim vou levando. Parte da minha liberdade me é tirada quando não posso ser eu, quando não posso ter lucidez, exercer sabedoria. Me sinto sozinho e essa é a solidão que destrói. Viver rodeado de pessoas e não se sentir parte de um todo.

Quando a solidão vem cheia de paz em situações que às vezes duram apenas segundos, é a sensação mais maravilhosa de todas, de leveza e de pertencimento. A solidão me trouxe muitas noites em claro e muito choro. Como também proporcionou que eu olhasse para dentro e me conhecesse mais. Ao falar de solidão, é importante ressaltar a diferença entre viver numa solidão que acompanha um convívio social e não se sentir só, mas saber conviver em solitude.

Esse é um exercício que me trouxe grandes desafios desde que saí de casa para morar sozinho, há cinco anos. Eu vivia em João Pessoa e, me sentindo sozinho, decidi enfrentar a solidão, mudando para a capital de Minas. A sensação era de que ou eu me tornava amigo da solidão ou ela me devoraria por completo. Já cheguei a tentar autoextermínio duas vezes, a primeira vez na adolescência, aos 13 anos, e a segunda vez com 21 anos, vivendo sozinho, longe da família, fraco e sozinho.

As pessoas ao redor tiveram medo de mim. A primeira foi a minha mãe, que me socorreu quando eu era mais novo.  Depois foram eram estranhos. Sim, estranhos. Você divide um espaço com alguém, mas não conhece a história dessa pessoa, logo, você não conhece de fato essa pessoa. Nós somos um conjunto de ocorrências que a vida nos trouxe, isso se chama biografia. Em momentos extremos como esses, é possível sentir a veracidade de um afeto vindo de alguém. Eram pessoas com quem eu dividia apartamento, mas não éramos ligados por laços afetivos ou de sangue. Eles sempre se esforçavam para demonstrar afeto, mas na hora do ocorrido tiveram medo de mim – um medo diferente do que a minha mãe sentiu, de me perder. As outras pessoas sentiram medo de lidar com um problema.

Genuinamente eu aconselho aquelas que estão aptos a ouvir, que se conheçam. A solidão não é um estado de contemplação, tampouco é o fim de um mundo interno em que não prevalecem sonhos, somente deuses e ilusões. Podemos perceber que não somos mais crianças quando temos que carregar a dor sozinho. É perceptível que ela está ali em sua forma abstrata, mas de tão completa em forma, é possível sentir o seu peso, que recai sobre o corpo. Você se sente podre, imutável, facilmente vencido, com a sensação de que não há mais nada a perder ou pelo que lutar.

A solidão mora aonde eu estiver. Muitas pessoas regam a fama, logo, podem se sentir importantes demais para ficarem sozinhas e se assombram com a própria imagem, descartada e cultivada com o que atualmente podemos chamar de views, likes, números virtuais. Vez ou outra, existem encontros sociais em que esses grupos interagem entre si, mas sempre com um dispositivo na mão, conectados.

Desde que comecei a observar tudo isso ao meu redor com os olhos de fora, entrei num caminho sem volta. Se eu estou perto, mas não quero fazer parte ou simplesmente não me encaixo ali, surpreendentemente, serei descartado. Alguns podem até sentir interesse em serem meus amigos e terem laços afetivos comigo, mas se não pensam como eu em relação ao distanciamento de si, essa relação não terá mais forças suficiente para se manter.

Outra vez então, eu estarei sozinho de novo. Muito ou pouco se fala sobre viver o presente, enterrar o passado e não criar expectativa sobre o futuro. A minha ambição atual é viver o agora na medida do possível, pois ainda lido com questões que poderiam ser a ruína da minha sanidade mental. Ainda lido com o passado e trato das cicatrizes que ele me deixou. Ainda penso no amanhã e na paz que eu poderia ter. Então a luta continua, e eu me sinto ansioso para crescer.

Chegada a época da pandemia, eu continuo em observação de mim mesmo e do tempo ao meu redor. A geração atual e a quantidade de gente sozinha, muitas obrigadas a isso porque tem um vírus circulando lá fora, faz refletir sobre o aqui e agora. Tenho a sensação que é tempo de construir uma relação de mais intimidade comigo mesmo e fortalecer os meus pés no chão, de volta às minhas origens, pois as ambições palpáveis de nada valem, e nada que traga medo de quem eu sou me faz falta.

Já não me sinto mais indigno de afeto. Posso conviver em sociedade desde que isso não esmague a minha dor. Se estou preparado para que as coisas voltem a ser como eram antes? Tenho a sensação de que nunca mais será como antes. A solidão agora é de casa, a solidão não é inimiga, já não é mais sinônimo de dor.

Ialisson Araújo, 23, é paraibano e mora em Belo Horizonte/MG.
Artista independente e estudante de Licenciatura em Teatro pela
UFMG, deixa sua reflexão sobre a solidão em tempos difíceis, que
causam ansiedade por não conseguir superar a dor de viver em
solidão.

 

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