Ruas nuas

Ruas nuas
Foto: Bonnie Kittle/Unsplash

 

Lugar de fala é o espaço dos leitores no site da Cult. Todo mês, artigos enviados por eles são publicados de acordo com um tema. O de agosto de 2020 é “solidão”.


A mulher caminha dentro de si. Há sempre um espaço que a incomoda. Mas nada adianta. Olhar as próprias ruas cerceadas na casa. Só, a mulher buscando os beijos separados diante do novo cenário. Os abraços ainda fomentados por lembranças do último momento, quando tudo era tão físico.

Chora, senta, liga o celular, as brechas da paixão estateladas. Agora o amor arde, pede passagem e nada pode. Não pode o encontro, não pode rasgar o mundo em sonhos. Apenas ensaiar a música que cantaram no bar onde tudo começou.

Às vezes a solidão faz companhia. Hoje teve chamada de vídeo. De longe, os sentimentos se embaraçam, dúvidas, estranhezas, o amor é utópico, o amor é insensatez. Ninguém é capaz de amar do mesmo jeito.

Ela joga a calcinha nova numa gaveta e busca a chave. Quis uma trepada boa antes de março, não deu. Foi preciso buscar um novo olhar para aquele amor que, há meses, dilacera muitas vontades procurando silêncios e respostas.

E se…

Se ele viesse com máscara, só pra dizer que depois do fim da clausura, os orgasmos, a fluidez dos beijos… Gemidos e lambidas voltariam?

Por acaso o porteiro trouxe uma encomenda. Uma carta de amor. Há tempos não lia uma carta de amor tão ridícula, escrita à mão?

Ela pega. Dança pela sala, joga perfume nos cabelos, toma o vinho tinto, lê aos berros:

“Nossos sonhos ávidos ainda serão reais”

A partir daquele momento a solidão virou um quadro desenhado ao vivo.

A mulher nua na nova rua

Lambuza-se e acaricia partes do corpo. Fecha a porta do quarto.

Enquanto o amor rola embriagado matando saudades.

Sandra Modesto, 59, é de Ituiutaba, MG. É professora aposentada e gosta de imaginar histórias.

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