Respeito, variável essencial das complexas equações da vida
Lugar de Fala é o espaço dos leitores no site da Cult. Todo mês, artigos enviados por eles são publicados de acordo com um tema. O de agosto de 2021 é “respeito”
Era uma vez uma pequena garotinha que gostava muito de estudar e que teve seu interesse captado por algum tempo inteiramente pela matemática. À medida que conseguia desvendar o enigma da tal ciência exata, sentia-se fascinada e passou a estabelecer mentalmente uma competição com seus colegas, sempre que algo se relacionava à disciplina amada. Como andava em boas condições com ótimas notas, foi se tornando cada vez mais segura e ousada.
Certo dia a professora lança um desafio para a turma: propôs algumas contas mais complexas e aqueles que conseguissem resolvê-las ganhariam nota a mais, proporcional ao número de acertos. Aquele que concluísse o desafio em primeiro lugar ainda ganharia mais um ponto extra. Mesmo sabendo que tinha uma oponente muito competente na turma, sua amiga que também era muito boa em matemática sentia-se confiante e decidida a vencer. À medida que ia resolvendo os cálculos sua segurança aumentava, até logra terminar juntamente com a amiga concorrente, de modo que a prova de fogo viria em seguida com a correção do exercício. Para sua completa surpresa, a professora revela que ela havia se equivocado em um número.
Não podia ser! Não acreditava!
Havia refeito os cálculos, mas equivocara-se em uma conta de dividir que não era exata, haveria que restar um. Esqueceu de considerar isso e a amiga, gênia em matemática, não cometeu nenhum erro. Estava selado o resultado e o machucado em seu narcisismo.
Sentiu raiva, tristeza, frustração, e neste carrossel de emoções a menina, que amava os números e as contas exatas, aprendeu a respeitar, “olhar outra vez” os números ímpares. Se antes achava especialmente fácil as contas com números pares e se incomodava com os ímpares, naquele momento adentrou em um mundo que somente anos depois compreenderia: a vida nem sempre é uma conta exata!
A vida compõe-se de equações que envolvem muitas variáveis e se, em sua cabeça, os pares eram o modelo da igualdade, compreendeu que os ímpares, símbolos da diferença, devem ser respeitados. Se para ser sujeito é necessário o outro semelhante, também é igualmente necessário a diferença que baliza nosso lugar no mundo, nossa constituição subjetiva, nossos limites e a possibilidade de desejar e amar.
Do ódio que a pequena garotinha sentiu por sua amiga/oponente brotou o respeito ao outro, igual nas diferenças que o fazem ser um sujeito único.
Carmem Oliveira é psicanalista, mestre em Psicologia
pela Ufpr e atua em uma clínica em Curitiba.