Por que estamos parados?
Caminhoneiros fecham estrada BR-324 perto de Salvador (Divulgação)
São já oito dias de paralisação dos caminhoneiros nas estradas. A ausência de combustível é generalizada e a carência de víveres varia em grau de acordo com as cidades. As consequências são de toda maneira de grande impacto em todo território nacional. Tanto é que o governo teve de ceder às concessões daqueles que se sentaram nas rodas de negociações como lideranças do movimento. O governo capitulou no domingo à noite, com pronunciamento tardio de Temer aceitando fazer as concessões que acreditava necessárias. Não obstante, na segunda-feira, a mobilização se manteve, os caminhões continuam estacionados, os bloqueios persistem. Porque? Com qual objetivo?
Embora nada seja devidamente claro, notícias e comentários reportam falas e apresentam imagens que indicam um apoio dos grevistas a uma intervenção militar. Tratar-se-ia de uma intervenção pontual, com vistas a retirar o governo corrupto e a preparar eleições. Na sexta-feira o governo havia já lançado mão da GLO, operação de Garantia da Lei e da Ordem. A GLO é um dispositivo existente desde 1999, criado durante o governo de Fernando Henrique Cardoso, e que permite empregar as Forças Armadas quando “estão esgotados os instrumentos de preservação da ordem pública”. Nessa semana tivemos, porém, o primeiro emprego em escala nacional desse dispositivo. Temer abriu as portas dos quarteis, mas muito pouco foi noticiado sobre o emprego efetivo do exército desde então. Alguns deslocamentos foram apresentados como confidenciais. E até agora não parece ter havido nenhum confronto entre militares e grevistas.
Para quem conhece a história do continente, impossível não identificar nesse cenário uma preparação para um golpe militar. O avanço da militarização desde o golpe de 2016 é um tema a ser tratado em outro texto. Aqui, gostaria de levantar uma simples questão. Por que, diante de tal cenário, a esquerda permanece imóvel? Muito tempo de discussão virtual foi gasto em torno ao falso problema “greve” ou “locaute”. Muita energia represada à esquerda pelo temor de apoiar um movimento que não era de esquerda; um movimento que seria apenas golpista. Mas, ora, o golpe já não foi dado em 2016?
Os caminhoneiros dizem querer agora radicalizar e derrubar o governo. Mas o “Fora Temer” não era a principal pauta da esquerda há não muito tempo atrás? Não que devamos simplesmente acorrer em massa às autoestradas. A pergunta é, por que não lançar logo mão de outros movimentos? A discussão sobre as reais intenções dos caminhoneiros – aliás uma generalização que merece reservas – é menos importante do que a discussão sobre as consequências do processo em curso. A esquerda parece ter esquecido sua visão estratégica. Aqui os efeitos interessam mais do que as causas, pois o efeito é que o governo – aquele que ao longo dos últimos dois anos chamamos de governo golpista – está desestabilizado.
Depender das mensagens de Whatsapp trocadas pelos grevistas para determinar sua verdadeira natureza pode ser um erro primário. E mesmo se tivéssemos a prova irrevogável de sua afinidade com Bolsonaro ou com os militares, seria isso uma razão para ficarmos parados? Ora, a greve em curso não é a única greve possível, muito menos a única forma de mobilização possível. E a insatisfação com o preço do combustível tampouco é a única insatisfação latente na sociedade.
Por que, então, não lançar mão de outras mobilizações que ventilem o debate político com outras demandas e outras pautas? A ideia da “intervenção militar” está ganhando força no vácuo do medo. Precisamos de outras mobilizações que lancem outros significantes políticos. As grandes centrais sindicais disseram que não pararão. Os pré-candidatos e partidos estão calados, talvez demasiado preocupados com suas campanhas eleitorais – para uma eleição que talvez não aconteça. Aguarda-se a paralisação da Federação Única dos Petroleiros, anunciada desde sábado e agendada para quarta-feira, como uma tábua de salvação que vai enfim trazer uma pauta popular e à esquerda, falando do gás de cozinha e do sucateamento da Petrobrás.
O caminho é correto, mostrar raízes mais profundas do problema do combustível e ampliar a questão para a vida doméstica. Mas não é só a FUP que pode agir nesse sentido. Temos inclusive a memória recente de uma ampla greve geral realizada em abril do ano passado. Outras categorias estão parando por suas razões específicas – professores das escolas privadas fazem ato hoje em São Paulo, por seus direitos ameaçados, e as Universidades paulistas também estarão paradas por reajustes. Por que não buscar uma articulação ampla e aproveitar a brecha aberta pela situação atual?
No contexto talvez mais adverso, preparam-se comemorações de junho de 2013. Aproveitando, lembremos que em junho de 2013, quando uma pauta de esquerda levou a ocupação das ruas, a direita foi hábil em inventar novas demandas para tentar mudar a direção do movimento. Há algo a aprender ali. Mesmo se não possui o monopólio dos grandes meios de comunicação, ou a força virulenta do grande capital, a esquerda pode sim tentar, ao menos tentar, ocupar o debate político com outras vontades.
A ideia da “intervenção militar” está ganhando força no vácuo do nosso imobilismo. É preciso ocupar as ruas com outras bandeiras e outros dizeres, e não mais deixá-las vazias e oferecidas às faixas que chamam os militares. A sombra da ditadura não pode continuar a ser razão de inação. A pergunta fundamental não é mais, portanto, porque os caminhoneiros estão paralisados. Mas sim por que nós, ao invés de paralisados, estamos simplesmente parados?
GABRIEL ZACARIAS é professor do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Unicamp
(3) Comentários
Discordo profundamente desta análise. A esquerda, neste momento, tem que ficar quieta e nem pensar em fomentar outras greves e protestos. A única manifestação é ser contra a volta da ditadura com seu eufemismo de intervenção militar. A esquerda tem que deixar de ser burra. A eleição está perto e é melhor deixar o moribundo do Temer agonizando, sem poder fazer mais nada e cuidar das eleições. Esse é o foco. Juntar as esquerdas em torno de um único nome que se contraponha o Bolsonaro. Esse é o nosso dever. Impedir a ascensão do nazismo no país.
Vale lembrar que a pior Democracia ainda é melhor que a ditadura.
A falta de credibilidade e falta da educação mais desenvolvida politicamente falando ,o povo estático e acomodado parece gostar do governo que tem.Por um Brasil melhor: a-Planejamento rigoroso quanto as obras públicas. B- PLANEJMENTO real nos municípios. C- Assistencialismo sim, mas, em incentivo a Boa educação e em bolsa “”que levam a outras situações. Sou da época que o governo não ficava sustentando famílias com bolsas….mas incentivava a lutar para conseguir fazer uma Boa faculdade. O brasileiro está cansado de sustentar políticos que faz as leis só em favor deles. É preciso dar um basta em todos os auxílios que eles são privilegiados, pois são funcionários públicos como qualquer outro.Enfim o país precisa ser passado a limpo para ser mais justo com todos e não privilegiar meia dúzia. …. elencaria vários fatores como dona de casa que sou……