Polifonia do silêncio
Marcia Tiburi Foto Simone Marinho
Dizer que o silêncio é polifônico pode parecer uma frase de efeito. De fato, assim como o escuro não é a ausência de luz, o silêncio não é a ausência de som. Uma história natural do silêncio precisaria rememorar os sons que ainda carregam silêncio: o barulho das ondas do mar, o vento que tangencia as paredes, o riso das crianças brincando, o canto de um pássaro, a respiração de um animal que dorme, uma pedra que rola, uma palavra pronunciada poeticamente.
A história natural do silêncio foi substituída pela história tecnológica do ruído. Ruído é o som desprovido de silêncio, fácil de reconhecer no que cansa os ouvidos, no que não aconchega a nossa percepção.
Desde a invenção dos microfones, dos gravadores e amplificadores, o ruído se tornou uma questão cultural. A regressão da audição é uma questão no campo da audição musical. Desaprendemos a ouvir certas coisas, enquanto nos adaptamos a outras. Ouvimos de um modo diferente. Nossos ouvidos saturados aprendem a se proteger. Fones de ouvido nos permitem escutar músicas que nos dão prazer, mas também nos ajudam a evitar o encontro com a “paisagem sonora” de nossa época. Os sons que queremos ouvir se tornam facilmente ruídos que evitam que sejamos devorados por outros ruídos. Ouvir hoje tornou-se um ato de administração de uma paisagem sonora devastada por ruídos.
O silêncio foi aniquilado, mas não desapareceu por completo. O silêncio que sobrevive no ruído é o silêncio morto: mutismo que tanto é efeito do sofrimento quanto costuma causá-lo. O silêncio mo
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