Pequeno glossário marxiano

Pequeno glossário marxiano
Mercadoria, fetichismo, capital, dinheiro: entenda alguns dos conceitos fundamentais de Karl Marx (Foto: Domínio Público)

 

Professora Adjunta do Instituto de Ciências Jurídicas da UFPA, Taylisi de Souza Corrêa Leite explica conceitos fundamentais de Karl Marx 


 

Mercadoria

 

A mercadoria é o elemento mais sobredeterminado, mais nuclear da produção capitalista, pois o sistema capitalista não é um sistema de produção de coisas úteis e necessárias às pessoas, e sim um sistema produtor de mercadorias. As mercadorias são produtos do trabalho postos em circulação, compostos por valor de uso e valor de troca. Embora as mercadorias, em sua dimensão objetiva, sejam quaisquer coisas, corpóreas ou incorpóreas, que possuam alguma utilidade para os seres humanos, elas são produzidas para serem trocadas. Assim, a mercadoria, no capitalismo, é a qualidade que se atribui a tudo aquilo que possa ser produzido pelo trabalho e trocado para gerar valor. É graças a essa capacidade de abstração de todas as coisas na forma-mercadoria que o capitalismo pode realizar uma equivalência de tudo com tudo.

 

Fetichismo

 

O fetichismo é o fenômeno pelo qual as relações sociais se amoldam na forma-mercadoria, conferindo às formas uma capacidade de interação como se fossem vivas. A partir de um conceito usado no século 18 pela crítica da religião que se referia a forças sobrenaturais que seriam capazes de animar objetos inanimados, Marx cria uma metáfora para o movimento das mercadorias (produção e circulação). O fetichismo não significa que as mercadorias ganham vida própria num sentido denotativo, mas que há uma subversão das relações sociais no capitalismo. As relações se dão, imediatamente, entre os produtos do trabalho, pelo seu movimento, ao passo que as pessoas se reduzem a produtoras individuais de mercadorias.

 

Trabalho

 

O trabalho possui um duplo caráter em Marx. De um lado, corresponde à atividade humana de criar, produzir coisas e melhorar sua relação com as condições dadas pelo mundo exterior, transformando a natureza (fonte do valores de uso). De outro, corresponde a um dispêndio de energia medido pela padronização da contagem do tempo (fonte do valor). Este último é o trabalho típico do sistema capitalista, que não tem correspondente em nenhum outro. Trata-se da forma-trabalho, uma abstração que representa relações sociais concretas, mas que não se confunde com as atividades humanas no mundo real. A mercadoria é a condensação ou objetivação do tempo de trabalho social (trabalho morto). O trabalho humano explorado para produzir mais-valor (trabalho vivo) é o cerne da produção e reprodução do valor na totalidade capitalista.

 

Mais-valor

 

O mais-valor é a diferença entre o tempo de trabalho socialmente necessário para a produção de mercadorias e o tempo empregado na reprodução do trabalho vivo. Todo(a) trabalhador(a) é uma(a) vendedor(a) da sua força de trabalho, alienando seu valor de uso e realizando seu valor de troca. O mais-valor resulta do excedente quantitativo de trabalho (tempo de trabalho necessário à produção), que não é pago ao(à) trabalhador(a) pela jornada de trabalho para que ele(a) se mantenha vivo(a) e trabalhando, e se condensa na (forma-)mercadoria, gerando valor de uso e de troca. Pode-se aumentar o mais-valor pelo aumento da jornada de trabalho (mais-valor absoluto) ou por incremento na produtividade, com melhores equipamentos (mais-valor relativo).

 

Valor de uso

 

O valor de uso de uma mercadoria é determinado pela sua utilidade para as pessoas, que não precisa ser sempre prática (pode também ser simbólica). Marx dizia que o valor de uso satisfaz “do estômago ao espírito”, de modo que uma mercadoria útil pode ser tanto um alimento quanto uma canção, ou qualquer coisa que as pessoas queiram consumir. Por isso, o valor de uso é determinado socialmente, e nunca unilateralmente, ou seja, são as relações sociais em torno de uma determinada mercadoria que constituem seu valor de uso. No capitalismo, essa utilidade serve como suporte para o valor.

 

Valor de Troca

 

O valor de troca, por sua vez, é a substância social quantitativamente determinada pela média do tempo socialmente necessário para a produção de mercadorias com as mesmas qualidades, isto é, idênticas e exatamente com o mesmo valor de uso. Valor de troca é a expressão do valor. Mercadorias iguais têm seu valor de troca constituído pela capacidade produtiva de um mesmo setor no mesmo intervalo de tempo, a depender da produtividade, por isso, trata-se de uma média entre todos os tempos sociais necessários para produzir determinada mercadoria. Outras determinações, como diferenças qualitativas, materiais, psíquicas ou simbólicas entre mercadorias semelhantes, alteram seu valor de troca em relação a outras. Já a troca mercantil entre produtos diferentes acontece por operações de equivalência no mercado, a partir da monetarização do tempo.

 

Dinheiro

 

No capitalismo, dinheiro é muito mais do que moeda: é uma forma social, que funciona como manifestação do valor relativo. A forma-dinheiro também cumpre o papel crucial de ser um equivalente universal, enquanto representação matemática do valor de troca, sua força motriz, possibilitando a troca de mercadorias. A cinesia contínua de mercadorias, no capitalismo, é possível graças à capacidade do dinheiro em realizar um movimento permanente. Assim, o dinheiro é uma mercadoria especial, que tem, entre outras, as funções de ser medida de valor e meio de circulação ao mesmo tempo. Mas, além de ser ele próprio uma mercadoria que pode ser acumulada como propriedade privada, sua especificidade, acima de tudo, na totalidade capitalista (diferente das moedas existentes em outros modos produtivos), é que o dinheiro tem a capacidade ímpar de se autovalorizar, convertendo-se em capital.

 

Capital

 

A forma de circulação que transforma o dinheiro em capital se diferencia da circulação simples de mercadorias. A circulação mais elementar se dá pela equivalência através do dinheiro: mercadoria-dinheiro-mercadoria (M-D-M), ou seja, vender uma mercadoria (que pode ser a força trabalho ou qualquer outra) por dinheiro e, com este dinheiro, comprar outra mercadoria (comida, por exemplo). Quem faz apenas essa operação não acumula capital. Porém, quem tem dinheiro pode valorizá-lo com uma operação dinheiro-mercadoria-dinheiro (D-M-D), se, por exemplo, revender por maior preço, como ocorre mais claramente no comércio, mas também em todos os setores produtivos (devido ao mais-valor). No setor financeiro, esse trajeto é abreviado: dinheiro gera dinheiro (D-D´), sem o intermédio de outra mercadoria. Esse valor que se automovimenta para se valorizar, criado a partir da cinesia das formas, via D-M-D ou D-D´, é o que Marx chama de capital.

Taylisi de Souza Corrêa Leite é Professora Adjunta do Instituto de Ciências Jurídicas da UFPA, doutora em Direito Político e Econômico, autora de Crítica ao feminismo liberal: valor-clivagem e marxismo feminista (2020), Ed. Contracorrente, entre outras obras.


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