Necessitamos de pais inteiros
(Arte Revista CULT)
Por Mayra Chacon
A paternidade é como um amontoado de tábuas e pregos em um canto ao tempo aguardando mãos másculas para a construção de um abrigo quase que anti nuclear.
Sim, os homens têm a obrigação de construir abrigos.
E quando não fazem, suas crias ainda bebês, com limitações, vão carregando tábuas ao longo da vida, pregando dedos e ganhando cicatrizes profundas feitas em acidentes muito previsíveis.
Os homens em sua grande maioria ainda não sabem o que fazer com a divina missão de ser pai.
Mas temos que ser seletivos.
A vida está mudando.
Claro que, quando debatemos sobre paternidade, o mundo nos apresenta uma conta gigantesca por anos e anos de idolatria a um modelo de educação ditador e opressor, que exigia respeito e concordância mesmo que os filhos não quisessem se subordinar.
Sabemos que adultos enfermos emocionalmente tiveram lacunas vazias de atenção durante sua infância. Com isso, formou-se um ciclo vicioso no qual o filho abandonado replica o abandono sofrido.
Existem pais e pseudo-pais.
A palavra “ajuda” está caindo em desuso e vagarosamente dando lugar para “compromisso”.
E oxalá eu possa ver mais e mais o comprometimento amável e afetuoso que a masculinidade de uns anos atrás tampava com um respeito ditador.
Talvez pela experiência do abandono os homens não queiram mais que seus filhotes cresçam sem o amor e o compromisso da figura masculina em suas vidas.
Necessitamos de pais inteiros, orgulhosos e realizados na companhia de filhos protegidos e seguros.
É preciso fomentar discursos sobre a importância da paternidade na formação de uma sociedade saudável.
Há muito o que falar sobre paternidade no Brasil, começando pelas leis trabalhistas, que somente em 2016 permitiram a licença paternidade de 20 dias para servidores públicos federais e empresas que participam do Programa Empresa Cidadã. Os pais fora dessas condições ficam restritos a cinco dias de licença, ou seja, nossa própria legislação não encara a necessidade da presença masculina desde os primeiros dias de vida .
O olhar afetivo para com as crianças precisa de uma base desenvolvida de forma salutar, onde a massa de sentimentos tenha tido êxito de felicidade durante a infância.
As relações exercidas por exames de DNA e pensões obrigatórias levam o homem atual a refletir sobre seu comportamento sexual. O que antes era só divertimento, hoje lhe traz mudanças mesmo que não desejadas.
O convívio imposto é um começo de relacionamento e estabelece uma troca bem vinda, onde pais e filhos podem conectar suas imperfeições e qualidades. Os caminhos foram encurtados.
É isso é muito bom!
E nem estamos falando de fecundação artificial sem identidade genética, o que comprova cada vez mais que laços afetivos importam muito mais do que laços biológicos. Os filhos “do coração” desenvolvem semelhanças físicas por convivência com seus pais tal qual os gerados de forma natural. O que afirma a grande importância dessa ligação.
Mas vamos em frente!
Muito já se fez e muito mais terá que ser feito. Em vários países mudanças concretas baseadas na formação de caráter dos meninos deixaram para trás a negligência e a ausência da paternidade.
É tão simples ser pai. O problema é quando (na maioria dos casos) os pais ainda são meninos imaturos e irresponsáveis, e ficam assustados, abandonando mãe e filho à própria sorte.
Ser pai é ser ancestral de forma biológica ou socioafetiva, é pilar, é base de qualquer formação familiar, e até meados do século 20 a sociedade, com o crescimento do capitalismo individual, levou também mães a longas jornadas de trabalho em um novo modelo de lar no qual o pai muitas vezes é ausente.
Mas voltemos ao início da conversa afirmando a necessidade e a importância dos homens exercerem a paternidade com afeto e responsabilidade.
Transou? É pai? Tem que assumir!
A paternidade é uma chancela no caráter e na idoneidade de um homem. Afinal, desprezar um filho é assinar um atestado de falência como ser humano, é tornar-se desprezível na condição de qualquer julgamento moral.
Essa ausência propicia substituições inconscientes que nem sempre (na sua maioria) suprem uma carência tão devastadora na formação de uma criança, é um estrago irreversível.
Nossa sociedade ao longo dos anos, evoluindo evidentemente, está dando nova cara para a figura paterna, desligando o conceito de homem-pai-paternidade. E é impossível não falar do desenho das novas famílias onde a paternidade é exercida por mães que conduzem as rédeas da formação de seus filhos amados .
Comemoramos o dia dos pais nesse mês de agosto, data importante para honrar os homens que se importam com a tarefa que lhes foi confiada. E teremos uma enxurrada de comerciais para que os pais sejam homenageados mesmo que ainda tenhamos muito o que discutir e conquistar para que a paternidade seja exercida de forma verdadeira, constante e sólida .
Pai é quem cria!
E quem cria absorve toda carga de responsabilidade da paternidade, mas ganha a confiança e a admiração de um coraçãozinho puro e inocente.
Mas desejo do fundo do coração que todos tenham o prazer de comemorar o dia dos pais com alegria.
E que a luta continue sempre!
Eu cresci sem pai porque ele morreu com leucemia muito novo, e não foi fácil. Sei bem o que é não poder falar essa palavrinha de três letras enorme em nossas vidas. Mas me criei, estou aqui viva, feliz e admirando todos os pais e “pães”que escrevem suas histórias com seus filhos.
E independentemente de gênero, classe social e raça, é o amor que faz alguém correr em direção às tábuas e conscientemente pregá-las para construir um acolhedor abrigo para tempestades que inevitavelmente teremos que enfrentar.
Mayra Chacon, 50, escritora , poeta, cozinheira, confeiteira e barista no Rio de Janeiro, RJ