Oficina Literária
Quebrada
Hora da alcateia na praça.
Sigo
o hálito transbordante
da desordem.
Uma lua de cobre
em sua órbita pedestre
poderia.
Inscrito na linhagem
do círculo,
salto possibilidades e geometria.
Invado a zona secreta
da casa de intolerância,
turva escrita de decretos
para burla e tédio.
Encurralado no escuro,
derrubo o rumor de qualquer
traçado.
Órbita pessoal possível:
à deriva, ao léu, ilegível,
apenas o imprevisto por
caminho.
Residual
Cardume de verbos
na piscina da página
funda
manhã submersa:
o que se vê
não é o que se pesca;
o que se ouve
é o peixe que escapa
em águas indescobertas;
o que se guarda
é a acidez da memória
oxidando gestos incompletos.
Incriado
Antes houvesse fundado
uma tribo de bárbaros.
Assim saberia o sabor
de incontáveis calamidades,
ouviria ossos assobiando agonias
entre tendas destruídas
e cupins de inútil mobília.
Insensato,
habitou entre demônios e ratos.
Vasculhou fendas invisíveis
no vasto e vulnerável horizonte.
Não navegou margens mallarmaicas
nem em homéricos mares naufragou
suas palavras malsãs e lunares.
Uma vulgaridade absurda gotejava
de seus poemas,
contaminava,
no chão poças de Vallejo, Khlébnikov,
Drummond, Montale
e um imóvel Brodsky,
a água impura dos poemas.
De tanto inventar-se, um outro
tomou-o por inteiro.
Nada sobrou
em pele ou cofre noturnos,
a não ser metáforas anacrônicas
em um caos digitalizado.
José Antônio Cavalcanti é poeta e professor de literatura no Colégio Pedro II, no Rio de Janeiro, e mora em Pilares, na mesma cidade