O maternar que a gente quiser
(Arte Revista CULT)
Não desejava a maternidade. Era sinônimo de dor, falta de tempo ou privação de sono. A minha história como mãe de bonecas também não teve vida longa. Me perguntava: o que tinha de errado nisso? Queria correr livre, jogar futebol, subir em árvores e pular dos barcos nas minhas férias de verão.
“Contente-se, você é uma menina, volte às bonecas.”
Em 1993 assisti ao filme Presente de grego (“Baby boom”) de 1987, com Diane Keaton. No filme ela é uma executiva de sucesso que se vê obrigada a assumir a guarda de uma criança. Aos 8 anos, assistindo ao filme, pensei: olha como a vida dela ficou com a chegada dessa criança! Com o tempo, veio o casamento, uma gravidez aos 23 e tudo mudou. Costumo dizer que apenas a minha última gravidez não foi compulsória. Não me entenda mal, amo meus três filhos e todos foram planejados. Mas as duas primeiras gestações estavam mais ligada a um desejo de ter mais amor e atenção do pai deles. Estava acorrentada à maternidade compulsória exigida pela sociedade. Não sabia se a queria, ela me fora herdada. “Até que ponto eu aguentaria todo o sufoco da maternidade?”, pensava. Atenção para três crianças, um mestrado para terminar, casa para organizar, viagens que nunca conseguiram sair do papel e perder o resto do baby weight. E, ainda assim, eu era privilegiada. Isso não deve acontecer com a Beyoncé, pensei.
Já a própria, em seu novo projeto para a Netflix, conta um pouco do seu puerpério e da sua luta para voltar ao peso antes da estreia do documentário “Homecoming: A Film By Beyoncé”. O relato mostra as complicações no parto – o coração de um dos gêmeos parou algumas vezes e ela teve pré-eclâmpsia. Meu sentimento era dúbio: assistindo apenas três meses depois de parir meu último filho, me identificava e me afastava. Ganhei mais peso do que imaginei; herança de uma tireóide alterada. Mas, vendo a rápida recuperação dela, pensei de novo: “Você achou mesmo que poderia se identificar com a Beyoncé?”- mimésis artística materna, failed com sucesso. E lá estava a culpa de novo. Aliás, maternidade e culpa sempre andaram juntas? Hoje, como mãe de três, ainda estou de mãos dadas com essa tal, mas sei quando soltar. Sou como a personagem da Meryl Streep em A escolha de Sofia, só que a guerra aqui é por atenção. Peso, maternidade perfeita, receber pitacos sem ter pedido não é natural, mulher! Tudo é construção e só nos cabe desconstruir. Quando e como a sociedade permitirá às mulheres do mundo sentirem e realizarem a maternidade na sua plenitude? Maternidade não, utilizarei a partir de agora (assim como muitas) o termo maternar. E ele virá um dia com amamentação em locais públicos sem encheção de saco, parceiros que entendem que não há “ajuda”, mães que possam voltar a trabalhar competindo em pé de igualdade com qualquer homem ou aquela mãe que escolhe ficar em casa… o maternar das mães solos e das mães negras, que não precisarão mais ter medo ao ver seu filho sair. O maternar que a gente quiser.
Andressa Habibe, 34, é mãe de três. Negra, feminista e professora, uma baiana morando no Sul