O feminino de ninguém
Freud se interroga como uma criança, que para ele tem sempre uma disposição bissexual, pode se “tornar” uma mulher (Arte Andreia Freire)
Para alguns, a humanidade se divide entre machos e fêmeas de acordo com a anatomia e formam pares heterossexuais para a reprodução da espécie. Qualquer coisa além disso é desvio. Para outros, existem inúmeras possibilidades de gênero e cada um vai construir sua identidade servindo-se dos artifícios oferecidos pela cultura. A psicanálise, desde Freud, não se inclui em nenhuma das opções acima.
“Como se constitui, então, a diferença entre masculinidade e feminilidade?”, pergunta-se Freud em seu último texto sobre a feminilidade, que hoje podemos ler na recente e magnífica edição de Amor, sexualidade e feminilidade (2018), traduzida diretamente do alemão e publicada pela editora Autêntica. Para ele, a biologia só define o produto sexual, espermatozoide ou óvulo, e as características sexuais ditas secundárias. Não há nada nisso que permita definir o que caracteriza cada um dos sexos. Quanto à psicologia, fazer a distinção baseando-se no comportamento, por exemplo ativo e passivo, seria ceder às convenções, e Freud nos adverte, nesse ponto, para “não subestimar a influência dos costumes sociais que compelem as mulheres a uma situação passiva”.
A anatomia não diz, a biologia também não sabe dizer o que é a mulher, nem a psicologia. E a psicanálise? Para Freud, a psicanálise também não saberia descrever o que é a mulher. Ninguém sabe. Como mãe, esposa ou na profissão, ela está em pleno exercício de funções que poderiam ser exercidas por outros e nada disso diz da mulher. Ser mãe não é gestar e parir,
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