Novas leituras de Lévi-Strauss

Novas leituras de Lévi-Strauss

Na esteira das comemorações do centenário de Claude Lévi-Strauss, chega um livro que, de imediato, sobressai no Brasil ao preencher uma lacuna bibliográfica importante entre os intérpretes e comentadores da obra do antropólogo francês. Escrito por nove dos principais antropólogos brasileiros, entre eles Beatriz Perrone-Moisés (responsável pela tradução das Mitológicas), Eduardo Viveiros de Castro e Marcio Goldman, o conjunto multifacetado de artigos possui o claro objetivo de tanto oferecer uma sólida introdução ao trabalho de Lévi-Strauss – expondo suas relações pessoais com o Brasil, apontando sua influência decisiva na reorientação da antropologia e das ciências humanas em geral – quanto evidenciar a fecunda presença de suas pesquisas e de seu método no pensamento etnológico brasileiro de hoje.

Esse duplo propósito permite também a visada de caráter pedagógico em relação a pontos instáveis e complexos do método de Lévi-Strauss, como a famosa “fórmula canônica do mito”, que, segundo o ensaio de Mauro de Almeida, representa “um dos tópicos mais intratáveis, mas também uma das ideias mais fascinantes e persistentes do grande antropólogo”. Servindo de atestado para a vivacidade e pertinência analítica atual de Lévi-Strauss, o livro mostra o quanto as contribuições teóricas mais recentes e originais da antropologia contemporânea (como é o caso do próprio trabalho de Viveiros de Castro) devem a uma fina leitura de sua obra seminal; obra que foi muito além do cerco teórico do estruturalismo e do saber etnocêntrico e academicamente constituído. Com prefácio de Manuela Carneiro da Cunha, o livro torna-se desde já, pela riqueza temática e pela reconhecida produção de seus autores, uma referência indispensável na bibliografia brasileira sobre Lévi-Strauss.

Lévi-Strauss – Leituras brasileiras
Orgs: Ruben Caixeta de Queiroz e Renarde Freire Nobre
Ed. UFMG
327 págs. – R$ 58


Percurso de Gramsci nos Cadernos

Como se fossem “slogans” teóricos do ativismo político, hoje várias expressões do filósofo Antonio Gramsci (1891-1937) circulam tranquilamente em artigos acadêmicos especializados, mas também nas páginas dos cadernos de política e cultura da imprensa diária. “Estado contra sociedade civil”, “intelectual orgânico”, “hegemonia”, “bloco histórico” pertencem àquele jargão intelectual que, segundo o professor de ciências políticas da Unicamp e autor deste livro, estabelece uma espécie de senso comum teórico-político, léxico contemporâneo do engajamento intelectual.

Difundidos com maior intensidade na América Latina a partir dos anos 1970, os escritos de Gramsci, no entanto, não estão isentos dos reducionismos e da esterilidade que toda obra de grande divulgação, principalmente aquela voltada à prática política, enfrenta ao ser destituída de sua complexidade interna. Mediante um trabalho de análise filológica das formulações que estão nos Cadernos do Cárcere, obra maior do pensador marxista italiano, Bianchi pretende, neste livro, destrinchar o complexo “laboratório” conceitual que deram origem a algumas das expressões acima. Para tanto, realiza sua interpretação dos textos de Gramsci à luz das relações entre filosofia, história e política presentes nos Cadernos.

O laboratório de Gramsci – Filosofia, História e Política
Alvaro Bianchi
Alameda Editorial
320 págs. – R$ 42


Mito da democracia racial

A clássica tese de 1964 do sociólogo paulista Florestan Fernandes (1920-1995) estabeleceu o ponto de virada crítica do pensamento sociológico no país ao denunciar o mito da democracia racial brasileira. Segundo a abordagem histórico-conceitual de Florestan, esse mito consiste em assimilar a desigualdade racial (própria da origem escravocrata nacional) como desigualdade de classes de ordem competitiva (própria do capitalismo industrial). Apesar dos estudos sociológicos recentes sobre a integração social no Brasil, a tese de Florestan, que agora é publicada em sua quinta edição, continua imprescindível para uma compreensão rigorosa da questão racial brasileira.

A integração do negro na sociedade de classes
Florestan Fernandes – Ed. Globo
vol. 1: O legado da raça branca
440 págs. – R$ 64

vol. 2: No limiar de uma nova era
624 págs. – R$ 80


Fundação da psicologia social

Embora Gustave Le Bon (1841-1931) tenha escrito sobre múltiplos e desconexos assuntos  entre si (de tratados de higiene, a equitação e física), tornou-se bastante conhecido no círculo intelectual do início do século 20 com as concepções polêmicas e inovadoras de Psicologia das Multidões (1895). Ao inaugurar as novas teorias da ação social e as teorias do inconsciente, a partir das quais Freud estabeleceu uma cuidadosa leitura crítica, a obra converteu-se em marco fundador da psicologia social. As descrições da “alma das massas” e as subsequentes classificações feitas por Le Bon também exerceram influência sobre as técnicas totalitaristas de mobilização popular, como revelam o próprio Mein Kampf de Hitler e os procedimentos de propaganda do nazismo e do stalinismo.

Psicologia das Multidões
Trad.: Mariana Paolozzi
Ed. Martins Fontes
220 págs. – R$ 36


O perdão e o indecidível

A coleção de seis artigos sobre Jacques Derrida (1930-2004), coordenada pelo “Núcleo de Estudos em Ética e Desconstrução” da PUC-Rio, procura enfatizar dois dos temas recorrentes na experiência intelectual do autor franco-argelino: o tema do perdão, para além de toda apropriação humanista do termo como reconciliação; e aquilo que Mónica Cragnolini, em seu ensaio no livro, chama de “ontologia do indecidível”.

Se o problema do perdão e da alteridade, como sustenta Paulo Cesar Duque-Estrada na introdução, define o horizonte de toda a filosofia de Derrida, a noção de “indecidível” viabiliza sua “estratégia geral da desconstrução”, quando esta procura dar conta dos impasses tradicionais colocados pelas oposições binárias da metafísica e da linguagem. Assim, são discutidas tanto as ideias de ética e de respeito à alteridade em sua própria inacessibilidade, quanto as idéias de “escritura”, de “meio-luto” e de “mulher”, como noções “indecidíveis” que não admitem rígidas definições conceituais e ao mesmo tempo precedem todo sistema de oposição essencial de significações.

Espectros de Derrida
Org. Paulo Cesar Duque-Estrada
Editora Nau/PUC-Rio.
216 págs. – R$ 34

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