Nas barras dos tribunais

Nas barras dos tribunais

Mário Serapicos
Fotos Marcelo Naddeo

Fanático torcedor do Santos Futebol Clube, o promotor Francisco Cembranelli garante que os únicos juízes que o tiram do sério são aqueles que atuam nos gramados dos campos de futebol. Quando, segundo ele, prejudicam o Santos, claro.

Cembranelli ganhou notoriedade nacional ao atuar como promotor do júri que condenou, em 2010, o pai e a madrasta da menina Isabella Nardoni, morta em 2008.

Antes disso, porém, ele já havia atuado em mais de mil julgamentos, vencendo 98% dos júris em que atuou. Em um deles, em 2004, conseguiu a condenação de três policiais militares que tinham matado o dentista Flávio Sant’Ana, de 24 anos. Mais recentemente atuou, a pedido de outros promotores, no júri do primeiro réu, Marcos Bispo dos Santos, a ser condenado pelo homicídio, em 2002, do então prefeito da cidade de Santo André, Celso Daniel.

Agora em 2011 pretende voltar ao Tribunal do Júri para enfrentar mais um processo de alto risco: ele tentará condenar outros policiais militares acusados de envolvimento com grupos de extermínio na Zona Norte da capital paulista, região do Fórum de Santana. Mesmo sabendo que algumas testemunhas desse caso já foram mortas e outras estão sendo intimidadas, ele diz não ter medo. Mas se recusa a revelar se anda com escolta. Francisco José Taddei Cembranelli nasceu em São José do Rio Preto, interior de São Paulo, no dia 28 de fevereiro de 1961.

Quando nasceu, seu pai, o promotor e procurador Sylvio Taddei Cembranelli, era delegado de polícia. Depois virou promotor substituto. Em ambas as funções, vivia sendo transferido de cidade. E Francisco passou por várias delas no interior do estado.

Foi em Leme que, aos 2 anos de idade, brincando em uma obra em construção, ele caiu dentro de um tanque de cal. “Não fosse um pedreiro salvador, que me tirou de lá, provavelmente eu morreria afogado”, diz ele, que garante se lembrar perfeitamente de sua mãe colocando-o embaixo de uma torneira de água em um tanque de lavar roupa para tirar a cal de seu corpo. Mas a cal havia entrado nos olhos. E ele ficou dois meses com os olhos enfaixados. Depois de muitas consultas a médicos, lavagens nos olhos e “muitas promessas”, a visão voltou. Mas uma pequena deformação permaneceu no olho esquerdo, no qual se desenvolveu uma leve miopia.

Passou por Descalvado, Taquaritinga e Barretos até mudar para a capital paulista, aos 15 anos, em 1976, onde foi morar no bairro da Aclimação. Formou-se em direito em 1984 pelas Faculdades Metropolitanas Unidas (FMU), mas nunca pensou em ser advogado. Chegou até a prestar vestibular para oceanografia, mas, “ainda bem”, diz ele, não foi aprovado.

“Eu gostava muito de mar, de ir para a praia, surfar. Fiz curso de mergulho. Tinha uma visão romântica do mar. Mas não sabia ainda o que fazer. Vivia na incerteza”, lembra ele, que foi sendo convencido pelo pai e pelos amigos promotores e procuradores das virtudes e benefícios da carreira e da profissão. “A função do promotor é estar, antes de tudo, comprometido com o interesse social. Você não é aquele que acusa simplesmente”, afirma ele sobre um dos argumentos que mais pesaram em sua decisão.
Na entrevista a seguir, Francisco Cembranelli explica as diferenças entre Promotoria, Procuradoria e Defensoria Pública, assunto que até alguns advogados desconhecem. Informa que só os casos de crime doloso contra a vida é que vão a julgamento no Tribunal do Júri e por que um caso de aborto pode ser considerado mais grave que um sequestro seguido de morte. Cembranelli também critica o Código Penal Brasileiro, da década de 1940, e rejeita o título de pop star do Judiciário brasileiro.

CULT – Qual a diferença entre Procuradoria, Defensoria Pública e Promotoria?
Cembranelli – Procurador do Estado não é um procurador de Justiça, que é um promotor que atua no Tribunal. Procurador do Estado é um advogado que atua em favor do Estado. Ele atua, por exemplo, numa ação para despejar os sem-teto que invadiram um prédio público. Ele atua na defesa dos interesses do Estado, do governo, mesmo que não concorde ou ache justo. Se um grupo de pessoas reclamar que o Estado tem de dar medicamento de graça para tratar uma doença, e se for de interesse do Estado contestar essa ação, esses advogados do Estado é que vão lutar contra os advogados dessas pessoas.

E a Defensoria Pública?

A Defensoria Pública defende os interesses de quem não tem condições de contratar um advogado. Um cidadão que more na favela, queira se separar da mulher e não tenha condições de pagar um advogado procura a Defensoria Pública. Lá ele encontra profissionais concursados que lidam com os interesses dos carentes. Se alguém processado por homicídio for pobre, é nomeado um defensor público para fazer sua defesa. Recentemente, por exemplo, a Defensoria Pública moveu uma ação contra o Estado em nome das pessoas que viviam em um bairro que alagava.

Mas o Ministério Público também não tem uma Procuradoria?
Tem procurador de Justiça, que é um promotor que atua no Tribunal. Um procurador de Justiça atua nos processos em grau de recurso, no crime e no civil. No caso Nardoni, por exemplo, houve um recurso de apelação da defesa. Os advogados recorreram e eu contrariei. Foi ao Tribunal. Lá existe um procurador do Ministério Público que vai dar um parecer e fazer até a sustentação oral no Tribunal. É um fiscal da lei, um promotor, que atua em segunda instância. É o próximo degrau da minha carreira.

O promotor do Ministério Público defende interesses da sociedade, é isso?
Sim. A Promotoria também está comprometida com o interesse público. Veja a diferença. Os procuradores comprometidos com os interesses do Estado. A Defensoria comprometida com os interesses dos carentes. A Promotoria está comprometida com o interesse social. Se necessário for, nós movemos ações contra o Estado ou contra os carentes, desde que infrinjam a lei. O que justifica a ação do promotor? Alguém infringiu a lei. Se alguém infringir a lei, haverá sempre um promotor, estadual ou federal, que vai processar os responsáveis. Pode ser uma empresa, o presidente da República, ministro, deputado ou uma pessoa simples. Nesses episódios de calamidade que aconteceram recentemente no Rio de Janeiro, em que milhares de pessoas foram vítimas de deslizamento de terra e soterramento, se ficar constatada a negligência do poder público, cabe ao Ministério Público acionar os responsáveis.

Mas quem designa os promotores para os casos?
Cada lugar tem seus promotores, sua jurisdição. Quando o inquérito policial chega ao protocolo do Judiciário, recebe um número. Cada promotor cuida de um feixe de números.

Por que alguns casos vão para o Tribunal do Júri e outros são decididos pelos juízes?
Isso está previsto na Constituição, que estabelece a competência, a atribuição do Tribunal do Júri, que é para julgamento de crimes dolosos contra a vida, crimes intencionais contra a vida. Sejam eles consumados, quando a vítima morre, sejam eles tentados, quando a vítima sobrevive. Se uma pessoa efetua um disparo de arma de fogo contra outra pessoa, com o objetivo de matá-la, isso é um crime doloso, independentemente de a pessoa morrer ou não. Isso é um crime doloso contra a vida e vai ser julgado pelo Tribunal do Júri. São apenas quatro os casos que vão a Tribunal do Júri: homicídio intencional, aborto provocado, indução ao suicídio e infanticídio, quando o recém-nascido é morto pela própria mãe. Em 99% dos casos, o júri se reúne para julgar homicídios, que acontecem aos montes, principalmente nos grandes centros. Aqui no Brasil se mata
por qualquer bagatela.

Então, se durante um assalto o assaltante matar a vítima, ele não será julgado pelo júri?
Isso não é crime doloso contra a vida. Isso é crime contra o patrimônio. Ainda que alguém tenha morrido durante o assalto, o legislador atribui a ação para julgamento em razão da intenção, que era roubar. Extorsão mediante sequestro seguido de morte também não vai a júri. Quando uma quadrilha sequestra alguém para pedir resgate e acaba matando a vítima, a intenção também era lucrar com o crime e não matar.

Essa legislação não lhe parece estapafúrdia, já que o sequestro seguido de morte pode ser considerado um crime hediondo?
Claro. Mas é a intenção que estabelece a responsabilidade pelo julgamento. A intenção de quem sequestra, inicialmente, é subtrair ou levar vantagem patrimonial. E então resolve matar. Isso não estabelece a competência do júri. Pelo contrário, estabelece a competência do juiz singular. Corre o processo comum, com a oitiva de testemunhas, presença do promotor, advogado da parte, e depois o juiz sentencia.

Em uma briga de bar, um sujeito dá uma facada e mata o outro…
Numa briga de bar, a intenção não é subtrair nada do outro. Vai para o Tribunal do Júri. Se o sujeito sai do bar e alguém tenta assaltá-lo, mas acaba matando, o caso não vai para o Tribunal do Júri. Há casos, por exemplo, em que um pai mata o estuprador da filha. Esses casos vão para o Tribunal do Júri. Em muitos deles, os réus são absolvidos. Quantos jurados, pais de família, não fariam a mesma coisa? A intenção do Tribunal do Júri é julgar sob a ótica da sociedade e não sobre o texto frio da legislação.

Existem outros casos emblemáticos desse tipo de comportamento?
Sim. Houve um caso na região de Ribeirão Preto em que um menor de 6 anos de idade foi abusado por outro menor, de 15 anos. A polícia deteve esse rapaz e o levou para a delegacia. A mãe do menorzinho chegou à delegacia e o abusador começou a debochar dela, dizendo que era menor de idade e que nada iria lhe acontecer. Ela perdeu a cabeça, pegou a faca que havia sido usada pelo abusador, e que estava em cima de uma mesa, e lhe deu uma facada no pescoço, matando-o. O abusador estava algemado. Ela foi denunciada por homicídio, levada a júri e absolvida. Legalmente, ela não teria defesa. Ela não poderia ser absolvida. Havia testemunhas, todo mundo viu que foi ela quem matou. O Ministério Público recorreu, o Tribunal anulou o júri, porque ela não poderia ser legalmente absolvida, e a mandou a novo júri. E o júri a absolveu novamente. E a lei diz que não pode haver um terceiro julgamento pela mesma razão. Se o caso ficasse na mão de um juiz técnico, ele iria talvez aplicar a lei e condená-la a quatro ou cinco anos de prisão.

E no caso do jornalista Pimenta Neves, que matou a namorada, Sandra Gomide, a sangue frio e continua solto?
Ele foi condenado. Continua solto porque os advogados usam o que a lei coloca à disposição.

O número de recursos permitidos pela Justiça brasileira é um absurdo, não?
É verdade. Nosso Código de Processo Penal, que disciplina todos esses recursos, é da década de 1940. Setenta anos atrás. Naquela época, andava-se de bonde. Nosso Código de Processo Penal foi feito para uma época que não existe mais. Nossa era é a da internet, do iPad, de um mundo globalizado, em que as pessoas têm acesso a todas as informações. Na década de 1940, não se falava em PCC, em grupos de extermínio, em consumo de crack. Ninguém falava em tráfico de drogas. Na década de 1940, a maioria dos crimes era furto de galinha, de roupa no varal. Tinha um ou outro mais grave, como o “crime da mala”, de um cidadão que, na década de 1930, esquartejou a amante e colocou dentro de uma mala e despachou no Porto de Santos. Hoje, só aqui na Zona Norte, cada um dos promotores tem 600, 700 inquéritos e processos por crimes de morte por ano. Hoje ninguém mais se surpreende com cenas de guerra civil como as do Rio de Janeiro recentemente.

Acredita, então, que o Código de Processo Penal precisa ser revisto?
Claro que sim. Isso já está sendo feito no Congresso Nacional. Mas as propostas apresentadas estão recebendo críticas porque foram feitas por pessoas que não são do ramo. Alguns pontos propostos, como uma proximidade maior entre o Ministério Público e o Judiciário durante a investigação, são positivos. Os promotores poderiam acompanhar a investigação policial. Há também o juiz de garantias que vai atuar nessa fase investigativa, mas que não poderá atuar quando uma ação penal estiver instaurada. Nós temos de aprimorar nossa legislação. O crime tornou-se uma coisa banal no Brasil.

Não existem casos sem solução, de psicopatas que matam por prazer?
Nesses casos a legislação é um pouco mais dura. Hoje, uma pessoa comete um crime grave, cumpre uma parcela muito pequena da pena e logo é reintegrada. Eu me alinho também com aqueles que não são tão benevolentes com pequenos delitos. Se você permitir que pequenos traficantes não sejam condenados a penas privativas da liberdade, você incentiva esses jovens a lidar com a venda pequena de entorpecentes. Se você abranda o comportamento daquele que não é um grande traficante, ele vai a uma faculdade ou a uma festa e passa droga. Você está incentivando. E isso leva a epidemias como essa do crack, que se espalha por todo o país.

Mas o abrandamento das penas de pequenos traficantes também está sendo proposto…
Alguns estão pregando a aplicação de multa a pequenos traficantes como se isso fosse uma infração de trânsito. Aí nós cruzamos os braços e assistimos à droga tomar conta das nossas cidades. Eu lamento.

Alguns segmentos da sociedade defendem a descriminalização das drogas…
Eles, na verdade, consideram o sistema carcerário falido. Nós temos de lutar para melhorar esse sistema. Mas eles querem, a todo custo, aliviar esse sistema colocando nas ruas pessoas que cometem crimes graves. Aí fica muito difícil para o cidadão de bem conviver com essa realidade. Um cidadão invade uma agência bancária, assalta, é pego pela polícia e recebe uma sanção de quatro, cinco anos. Para esses que pregam o sistema carcerário só para crimes muito graves, esses assaltantes que colocam em risco as nossas vidas devem cumprir uma sanção em liberdade. O que é um absurdo total. Isso é um incentivo ao aumento da violência, que já é alarmante.

Você é a favor da pena de morte?
Não. Nos países que adotaram a pena de morte, não houve diminuição dos índices de violência. Para mim a pena de morte é apenas vingança por parte desses governos. Não vejo benefícios. É uma barbárie. É uma retaliação pura e simples por parte desses governos, uma maneira de economizar, já que um preso custa muito.

E prisão perpétua?
Mesmo nos Estados Unidos, a pena nunca chega a ser perpétua. Depois de certo tempo, dependendo do comportamento, o preso acaba sendo reinserido no convívio social. Eu defendo a punição exemplar para aqueles que infringem gravemente o ordenamento jurídico, critérios, e formas de cumprimento dessa pena. Você diminui a violência, constrói uma sociedade mais civilizada, não impondo sanções mais elevadas, mas sim dando ao criminoso a certeza de que ele será alcançado pela lei. O que não acontece no Brasil. A maioria dos nossos crimes fica impune. É isso que gera violência. Nossos governos, num discurso eleitoreiro, tentam equipar cada vez mais a polícia. Claro que a polícia tem de ser equipada. Mas não é esse o fator determinante para diminuir a violência. Isso só acontecerá quando você der ao criminoso a certeza de que ele vai ser responsabilizado criminalmente. Isso ainda não acontece no Brasil.

Uma pena de no máximo 30 anos é suficiente?
É um tempo bastante grande. O problema é que esses 30 anos vão se transformar em, no máximo, 12, 14, 15. Vou citar o caso da Daniela Perez. Os autores foram condenados a 19 anos e seis meses pela Justiça carioca. Eles cumpriram pouco mais de seis anos. Veja como a vida vale pouco para essa atual legislação. Enquanto isso, a mãe foi condenada a viver eternamente sem a filha, e a filha confinada em um túmulo. As penas são muito brandas. A Lei de Execução Penal, que anda lado a lado com o Código de Processo Penal, deve ser aprimorada e estabelecer formas de cumprimento das sanções mais rigorosas. Nós também temos de aparelhar a polícia para que ela investigue bem. Esse é um caminho muito importante para apresentar resultados, porque a investigação bem-feita é a base de uma denúncia oferecida por um promotor. A estrutura do Poder Judiciário também precisa ser melhorada para dar celeridade aos processos e dar uma resposta à sociedade. A forma como está sendo proposta a reforma do Código de Processo Penal garante muitos direitos a essas pessoas responsabilizadas criminalmente. E nós vamos ficar de mãos atadas. O que vai acontecer? A sociedade vai ficar mais perplexa, mais sem esperança, e vai viver com a sensação de impunidade, que já é muito grande.

Não existem muitos indultos no Brasil? No Natal, Ano-novo, Dia dos Pais, Dia das Mães…
E boa parte dessas pessoas que saem não voltam… Nem a tornozeleira eletrônica funcionou. Teve gente que assaltou usando tornozeleira. Claro que são muitos os indultos. O problema é que algumas dessas pessoas que elaboram textos legais não têm a experiência prática. Alguns são grandes juristas, têm conhecimento teórico, mas é bem diferente você enfrentar o dia a dia. Muitas testemunhas que recebo no meu gabinete, que pedem providências porque estão sendo ameaçadas, algum tempo depois são assassinadas e nós temos de investigar a morte dessas pessoas.

E você, que já condenou alguns policiais militares, não tem medo? Você anda com proteção, segurança, escolta?
Não vou falar sobre isso. Medo é um sentimento que não deve fazer parte do dia a dia de um promotor do júri, sob pena de ele ter de mudar de área. O Ministério Público atua na defesa do interesse social. Ele pode até atuar na área ambiental. Existem promotores que lidam com o meio ambiente, que vivem responsabilizando empresas que poluem o meio ambiente. No dia em que eu tiver medo ou receio de trabalhar no Tribunal do Júri, talvez eu peça remoção para a Promotoria do Meio Ambiente. Ela lida com os interesses do mico-leão-dourado, do tamanduá-bandeira, que são causas também extremamente relevantes. Esses colegas fazem um trabalho brilhante.

Em mais de mil julgamentos, você conseguiu quantas condenações?
Eu já fiz 1.093 julgamentos no júri, no plenário. Como não sou obrigado a acusar ninguém, eu só acuso alguém quando me convenço da culpa. Se não consigo reunir as provas que atribuem responsabilidade a um cidadão por um crime, peço a absolvição. Já fiz isso várias vezes. O promotor não é de acusação. É de Justiça. Estou preocupado em buscar o melhor para a sociedade e dar respostas satisfatórias para as pessoas que esperam tudo de um promotor de Justiça.

Mas, no caso da Isabella Nardoni, você logo sustentou a culpa do pai e da madrasta…
Nos primeiros momentos ninguém sabia o que havia acontecido. Eu só tive a convicção formada quando o procedimento investigativo foi finalizado, depois de 30 dias. Trinta dias depois, como manda a lei, a delegada relatou o inquérito. Nós tínhamos todas as provas periciais. O trabalho do Instituto de Polícia Científica, dos legistas, depoimentos de quase 70 pessoas. Eram seis volumes de inquérito. Levei para casa, estudei com calma, formei minha opinião e propus a ação penal contra eles. Desde o início ninguém sabia. Tive tranquilidade suficiente para formar minha opinião.

Você é a favor de interrogatórios e audiências por videoconferência?
Só em casos excepcionais. O bom mesmo é termos o preso e as testemunhas presentes, para inquirir diretamente. Senão você perde movimentos de face, de olhos. Tudo pode indicar alguma coisa. Eu sou superdetalhista. Gosto de ter contato com a pessoa.

Essa linguagem corporal influência na sua avaliação?
Sim. Eu sou um estudioso do semblante, da mente humana. Gosto de ver as reações, o comportamento diante de uma pergunta. O movimento de mãos que uma pessoa faz para responder a uma pergunta delicada. Esse contato pessoal é extremamente importante.

Mas quem traz as provas são a perícia e a investigação…
Também tem a prova em juízo. Você tem liberdade de trazer as testemunhas. O testemunho permite ao jurado voltar no tempo e se inserir no universo daquelas pessoas que estão em litígio. O grande segredo, no júri, é transmitir confiança ao conselho de sentença. Estar seguro do que você argumenta, do que você sustenta. É apresentar fatos, não crenças, suposições ou hipóteses, para que o jurado se sinta seguro para decidir.

Você já pensou em seguir a carreira política?
Algumas pessoas quebraram a cara porque apostaram que eu estava de olho em alguma promoção. Mentira. Porque eu já poderia ter sido promovido a procurador há mais de um ano. Outros acharam que, por causa da fama, eu iria seguir alguma carreira política. Também queimaram a língua. Já fui sondado por partidos. Mas sou um promotor nato, sou filho de promotor, estou há 23 anos na carreira, estou extremamente feliz com o reconhecimento das pessoas e ainda tenho muitos casos importantes e muita lenha para queimar. Eu não dependo da fama.

A fama de pop star te agrada?
Isso é um exagero. Você acaba aparecendo um pouco mais porque o caso é mais divulgado. Mas eu nunca precisei disso para me motivar. Antes do caso Isabella, eu já tinha mais de mil julgamentos no currículo. Eu já podia estar promovido. Sempre fui uma pessoa tímida.

Você gosta ou não dos holofotes? De ser reconhecido nas ruas?
Eu vejo isso como um reconhecimento carinhoso das pessoas, que me abordam de forma respeitosa. Eu nunca fui convidado para a Ilha de Caras. Não frequento lugares de celebridades. Vivo para os meus filhos e minha família, minha esposa. Sou conselheiro do Santos, da administração vitoriosa de Luis Álvaro [presidente do Santos], que vai nos trazer o terceiro título mundial. Gosto de correr, frequento clubes, viajo para a praia. Não faço diferente do que fazem as pessoas que têm o mesmo patamar. Estou no mesmo lugar em que estava quando o caso Isabella foi distribuído, três anos atrás. Nunca liguei para ninguém da imprensa. Atendi 10% ou 20% dos pedidos de palestra e entrevistas que me foram feitos. Lamento que me critiquem sem me conhecer.

Você mantém esse mesmo equilíbrio quando assiste a partidas do Santos?
Eu não gosto que minha esposa vá às partidas porque ela fica assustada. Eu fico nervoso e xingo, principalmente aqueles que trabalham contra o Santos.

(7) Comentários

  1. gostei muito dessa entrevista .A verdade é que vivemos em um país de impunidades o que desequilibra ainda mais a sociedade e afasta cada vez mais o sonhos de paz,igualdade que os nossos direitos asseguram.

  2. Cembraneli é lúcido,bem preparado,grande promotor. Mas é torcedor do Santos,infelizmente,tem mau gosto pra time.

  3. Excelente entrevista da Cult e melhor ainda as respostas de Cembranelli.
    Por ser alguém que é um profissional das leis, as respostas argumentativas dele tornam-se ainda mais contundentes e muito satisfatórias.
    Profissionais como ele e com uma visão tão coerente de nossa realidade é de que precisamos. Cembranelli é prova de que temos mentes lúcidas na justiça.
    Há tempos não via alguém com uma visão tão apurada da realidade jurídica assim em nosso país.

  4. A CULT soube conduzir a entrevista com excelência, com perguntas simples e precisas instigou e possibilitou grandes respostas. Cembranelli tornou-se um grande exemplo de preparo e competência. Na condição de estudante de Direito, adotei alguns de seus pensamentos como referência.

  5. Sou fã incondicional deste grande mestre! Sensacional a entrevista, perguntas bem elaboradas, respostas…sem comentários…o Cembranelli deu verdadeira aula, tomara que todo universitário da área tenha acesso a CULT. Parabéns a equipe CULT, Parabéns Cembranelli, que sua estrela continue brilhando e Deus te guiando e te guardando sempre. Dorvani Posseti Lucato.

  6. Entrevista espetacular. A CULT é a CULT, né?! E o Dr. Francisco Cembranelli é o cara!!! Sou fã desse senhor! Quando crescer (rsrsrsrs) quero ser igual a ele!!!

  7. Excelente matéria, esclarecendo funções da promotoria e evidenciando o bom caráter deste grande promotor que trabalha empenhado em prol da justiça e de uma sociedade mais digna, demonstrando sensibilidade para as vítimas e seus familiares. Infelizmente no Brasil já somam milhões de pessoas que perderam familiares (perdi meu filho Matheus Hoepers para a violência curitibana em out/2010), e que assistem perplexos a impunidade reinante. O crescimento da violência é obviamente fruto do descaso do poder público para com esta essencial questão social. Precisamos sim, de saúde, educação, transporte e, é claro, de vida com segurança.

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