Por que Narciso não fala sozinho?
“Narciso” (1599), de Caravaggio (Reprodução/Galleria Nazionale d'Arte Antica)
Porque Narciso está sempre acompanhado. Sempre. Aliás, sua existência depende, rigorosamente, da existência de um duplo, de sua imagem no espelho. Em verdade, se a imagem de Narciso desaparecer, Narciso deixa de existir. Narciso é, portanto, rigorosamente dependente do Outro, essencialmente desamparado.
Há, no entanto, quem se refira a Narciso como um sujeito egoísta, arrogante, autocentrado, autoritário, manipulador, aparentemente autossuficiente. Até porque tem razão Caetano quando canta que “Narciso acha feio o que não é espelho”. Mas como é que Narciso é, ao mesmo tempo, dependente e autocentrado, desamparado e autossuficiente? Será? Vejamos.
No contexto da teoria e da clínica psicanalíticas, Narciso é uma figura de linguagem que nos permite fazer referência tanto a um tempo de passagem do processo de constituição da subjetividade quanto a uma determinada posição subjetiva que define, enfaticamente, os modos de relação predominantes de um sujeito.
O narcisismo é um conceito psicanalítico, proposto por Freud em 1914, no texto “Introdução ao narcisismo”, a partir do mito grego de Ovídio, para entender como se dá a constituição do Eu como instância psíquica, uma vez que, para ele, o ser humano não nasce com um Eu formado. Para Freud, note-se bem, o Eu é uma instância psíquica que se constitui não a partir do Outro, mas a partir da relação com o Outro, ou, como se diz, no campo da alteridade.
Assim, nesse processo de constituição da subjetividade, Freud situa o narcisismo como a fase intermediária en
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