Nada aconteceu

Nada aconteceu
O filósofo Vladimir Safatle (Reprodução)
  Na edição de maio, Christian Dunker falou sobre a impossibilidade de lidar com o sofrimento que parece tornar-se uma marca de nossas sociedades contemporâneas, lembrando, entre outras coisas, das mutações na maneira com que fazemos trabalhos de luto. Em um momento em que, ao menos segundo o novo DSM-V, quinze dias de luto já é visto como uma reação patológica, gostaria de insistir em um aspecto de tal impossibilidade de lidar com o sofrimento ligado à experiência da memória. Hegel escreveu uma vez sobre a capacidade do Espírito de desfazer o acontecido. Tal força de anulação era modo de reconciliação. Maneira das feridas do Espírito serem curadas sem deixar cicatrizes. O Espírito teria a capacidade de transformar as perdas e decepções em momentos necessários de um verdadeiro processo de conquista. Tal como esses que guardam a confiança infantil de que, ao final, tudo se arranjará, a maneira do Espírito desfazer o acontecido seria a crença de que a última palavra será o verdadeiro nome e a verdadeira realização das promessas que estavam no início. Um século depois, Jacques Lacan utilizou a mesma ideia, mas para falar agora de um modo neurótico de defesa próprio àqueles que não sabem como suportar um acontecimento, àqueles que, no fundo, anseiam por uma vida desprovida de todo e qualquer acontecimento. Pois o acontecimento não é exatamente aquilo que ocorre, mas o que deixa traços. É possível haver ocorrências intensas, novas e nem por isto elas serão acontecimentos. Pois elas poderão desaparecer sem produzir sonhos, m

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