Memória e poesia
Jaqueline Gutierres
“Gilberto Freyre era uma figura encantadora, de elegância e cordialidade naturais”, definiu o professor Edson Nery da Fonseca, em conversa com o jornalista Humberto Werneck, durante painel na VII Fliporto. Relembrando episódios de seus primeiros contatos com Freyre, Fonseca ressaltou, “ele recebia a nós, estudantes, muito inferiores intelectualmente, e queria nos ouvir, não falar”.
A mesa “Gilberto Freyre – um grande sedutor” recebeu o nome em referência ao livro de Fonseca, O grande sedutor – escritos sobre Gilberto Freyre de 1945 até hoje (Cassará). Freyre é o homenageado da 7ª edição da Festa, e Fonseca, convidado como o maior conhecedor de sua obra. O professor, porém, preferiu negar o título de curador, que Werneck lhe sugeriu durante a conversa. “Quem faz isso, e muito bem, é a Sonia Freyre, filha de Gilberto.”
Hoje com 89 anos, Fonseca conheceu Gilberto Freyre aos 20, após ter lido Casa grande e senzala (Global) no curso de Direito. “Meu professor falou que para conhecer a cultura brasileira, era preciso conhecer o Brasil, e que para conhecer o Brasil, era preciso conhecer Gilberto Freyre.” Antes disso, Fonseca havia ouvido críticas ao autor no colégio, “estudava em uma escola comandada por padres. Eles tinham muita raiva de Freyre, diziam que era comunista. Curioso é pensar que hoje em dia ele é acusado de direitista”.
Fonseca relembrou o contato com Freyre, quando o ajudava com cópias de documentos que seriam usadas para um livro jamais lançado, Jazigos e covas rasas. Ao longo das pesquisas para a escrita da obra, Freyre chegou a algumas conclusões, “ele não gostou disso, ele cultivava a inconclusão. Sua disposição eram as obras abertas. Por exemplo, você termina de ler Casa Grande e Senzala e pensa: e o resto?”. Por isso, com a desculpa de que teria sido assaltado e os documentos levados, Freyre nunca publicou a obra.
O palestrante mostrou ótima memória ao recitar poesias. Entre as declamações, “Bahia de todos os santos e de quase todos os pecados”, de Gilberto Freyre, e “Evocação ao Recife”, de Manoel Bandeira. Sobre este último, “Freyre pediu a Bandeira que escrevesse um poema sobre o Recife para o Livro do Nordeste. Bandeira não gostou muito da ideia, disse que poesia não se encomendava, mas depois de um tempo resolveu escrevê-la.” Quando Werneck pediu que recitasse o poema de Bandeira, quase ao final do painel, Fonseca indagou: “mas ainda há tempo?”, a que recebeu a resposta, “mesmo que não houvesse”. A plateia pareceu concordar, com fortes aplausos.