Lula e Antígona

Lula e Antígona
Lula com o irmão Genival Inácio da Silva, o Vavá, morto nesta terça (29), vítima de câncer (Foto: Ricardo Stuckert)

 

Antígona não pode enterrar o próprio irmão. Desesperada, ela decide por conta própria enterrar Polinices, condenado a ficar insepulto por Creonte, o tirano de Tebas.  Foi punida por seu gesto com a prisão e nela preferiu morrer do que amargar a conivência com a injustiça de Creonte que não respeitou a lei dos mortos.

No Brasil, a lei dos mortos da antiguidade clássica reaparece no Artigo 120 da Lei de Execução Penal: “Os condenados que cumprem pena em regime fechado ou semi-aberto e os presos provisórios poderão obter permissão para sair do estabelecimento, mediante escolta, quando ocorrer um dos seguintes fatos: I – falecimento ou doença grave do cônjuge, companheira, ascendente, descendente ou irmão”.

Enquanto os advogados de Lula seguem honestamente com seu trabalho de defender por meio da lei um réu cada vez mais violentado pelo poder judiciário, os juízes praticam a tirania, confirmando que o nosso pobre país está sob uma ditadura estranha, que não diz seu nome, que consegue competir em perversão com a ditadura militar e parece estar vencendo.

Antígona é uma figura da democracia muito potente. Democracia é o respeito às leis que amparam cidadãos. Antígona é democrática – como Lula o é – no momento em que ela não se curva aos poderosos e protege o direito de seu irmão morto. Se Édipo, seu pai-irmão, ainda simboliza entre nós a culpa familiar, Antígona simboliza a relação horizontal com os demais, o ser de igual-para-igual, o convívio entre os irmãos, a fraternidade, que é uma característica da pessoa de Lula. Algo muito feminino, algo encantador. Algo, no entanto, insuportável para os sujeitos perversos que hoje agem dentro de uma lógica que é necrofílica para com Lula. Um dia falarei mais sobre isso, porque esse aspecto é pesado demais para esse momento em que já estamos, como nação, sofrendo tanto. Mas é preciso avisar que o gozo perverso não termina antes de alcançar seu objetivo. Pensemos.

Antígona nos ensina o mesmo que Lula: que nossos iguais merecem tratamento igual perante a lei e que não se pode brincar com ela. Diké, a deusa da justiça, é também vingativa contra aqueles que a violam. A  democracia é a garantia dessa igualdade perante a lei. Sem nada nem ninguém acima de ninguém, apenas o respeito àquele valor o que garante que somos iguais.

Todos merecem tratamento digno dentro das leis em uma democracia. Rasga-se as leis, instaura-se um estado de exceção, é o fim da democracia.  E com ela a desgraça de uma sociedade.

A democracia é um valor em sociedades abertas e plurais, o contrário do que vemos nesse momento no Brasil do autoritarismo de massas capitaneado por um número considerável de canalhas.

Antígona é Lula nesse momento. Os canalhas são apenas os canalhas.


> Leia a coluna de Marcia Tiburi toda quarta-feira no site da CULT

(2) Comentários

  1. Em meio a tanta crueldade, uma informação
    animadora: o fato de poder ter a proximidade de Márcia Tiburi, toda quarta-feira!

  2. A diferença entre Antígona e Lula, como bem enfatizou o Prof. Lenio Streck, na CONJUR de hoje, é que para a primeira não existia uma lei positivada para protegê-la, o que a obrigou a invocar o abstrato direito natural de sepultar o mortos; ao passo que, para Lula, existe a lei positivada e de acordo com o pensamento constitucional mais comezinho.

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