Nos 80 anos de Orides Fontela, leia poemas de sua autoria
(Fritz Nagib)
TEMPO
O fluxo obriga
qualquer flor
a abrigar-se em si mesma
sem memória.
O fluxo onda ser
impede qualquer flor
de reinventar-se em
flor repetida.
O fluxo destrona
qualquer flor
de seu agora vivo
e a torna em sono.
O universofluxo
repele
entre as flores estes
cantosfloresvidas.
– Mais eis que a palavra
cantoflorvivência
re-nascendo perpétua
obriga o fluxo
cavalga o fluxo num milagre
de vida.
***
FALA
Tudo
será difícil de dizer:
a palavra real
nunca é suave.
Tudo será duro:
luz impiedosa
excessiva vivência
consciência demais do ser.
Tudo será
capaz de ferir. Será
agressivamente real.
Tão real que nos despedaça.
Não há piedade nos signos
e nem no amor: o ser
é excessivamente lúcido
e a palavra é densa e nos fere.
(Toda palavra é crueldade.)
***
ROSA
Eu assassinei o nome
da flor
e a mesma flor forma complexa
simplifiquei-a no símbolo
(mas sem elidir o sangue).
Porém se unicamente
a palavra FLOR – a palavra
em si é humanidade
como expressar mais o que
é densidade inverbal, viva?
(A ex-rosa, o crepúsculo
o horizonte.)
Eu assassinei a palavra
e tenho as mãos vivas em sangue.
***
REBECA
A moça de cântaro e seu
gesto essencial: dar água.
***
O GATO
Na casa
inefavelmente
circulam olhos
de ouro
vibre ( em ouro) a
volúpia
o escuro tenso
vulto do deus sutil
indecifrado
na casa
o imperecível mito
se aconchega
quente (macio) ei-lo
em nossos braços:
visitante de um tempo sacro (ou de um não tempo).
***
PENÉLOPE
O que faço des
faço
o que vivo des
vivo
o que amo des
amo
(meu “sim” traz o “não”
no seio).
***
SILÊNCIO
I
A madrugada.
Seu coração de silêncio.
II
O silêncio cheio
de peixes
de irisados peixes
úmidos.
III
Grandes árvores
ânforas
transbordantes de silêncio.
IV
Galos
no alto silêncio
impressos
seda
translúcida do silêncio.
***
NOTURNO
Os que nascem de noite
e, entre ossos, vigiam
o fogo
os que olham os astros
e, oprimidos, respiram
em cavernas
os que vão viver apesar
da escuridão e nos olhos
a luz clandestina
acendem
os que não sonham, os que nascem
de noite
não vieram brincar: seu peito
guarda uma só palavra.
***
TEIA
A teia, não
mágica
mas arma, armadilha
a teia, não
morta
mas sensitiva, vivente
a teia, não
arte
mas trabalho, tensa
a teia, não
virgem
mas intensamente
prenhe:
no
centro
a aranha espera.
***
TEOLOGIA
Não sou um Deus, Graças a todos
os deuses!
Sou carne viva e
sal. Posso morrer.