Lacuna histórica

Lacuna histórica

por Helder Ferreira

Mesmo com a sanção da Lei 11.645, em março de 2008, que instituiu o ensino obrigatório da história e cultura indígena em todas as séries do Ensino Básico, ainda são escassos os estudos arqueológicos feitos sobre as civilizações que ocuparam o Brasil na era pré-colonial.

Para Eduardo Góes Neves, arqueólogo e professor do Museu de Arqueologia e Etnologia da Universidade de São Paulo (MAE/USP), que desenvolve pesquisa sobre civilizações que ocuparam a bacia amazônica, há um grande desinteresse do Estado e de instituições privadas em investir na pesquisa sobre a história pré-colonial brasileira. “Acredito que boa parte dessa falta de interesse advenha de um pensamento racista. O Brasil ainda tem muita dificuldade em se assumir como um país mestiço”, afirma ele.

Ele acredita que este tipo de desinteresse é conveniente para as políticas exploratórias nas florestas brasileiras, em especial, na Amazônia. “Se você fala que não havia ninguém na Amazônia, você faz tábula rasa e, de certa forma, justifica a devastação desenfreada da floresta”, disse. “Essa visão preconceituosa atravanca o desenvolvimento econômico, cultural e social do país, interfere na questão da identidade brasileira e remove a possibilidade dos povos que aqui estavam de terem história”.

Neves crê que estudos mais aprofundados sobre as populações que já ocuparam o local poderiam quebrar a ideia de “mata virgem pronta para ser explorada”, já tão difundida, e expor a Amazônia não somente como uma reserva natural, mas também cultural. “Há muito sobre nossas origens que poderíamos aprender de estudos feitos na floresta. Se há algo que podemos aprender com a História é a incorporar e aceitar a diversidade de nossa cultura”, opinou.

Mestre em História Social pela USP, a professora Juliana Lopes concorda com Neves. “Em um país onde tradicionalmente índios e negros foram colocados em posições sociais subalternas, não é de se espantar que a mestiçagem com esses setores seja vista com maus olhos”. Ela também crê que boa parte deste preconceito seja proveniente das teorias racialistas – que classificavam como inferiores as etnias diferentes da caucasiana – desenvolvidas em âmbito científico sobretudo a partir da metade do século 19.

No entanto, ela também acredita que o desinteresse na história pré-colonial seja, em parte, culpa do modo como o sistema acadêmico brasileiro foi estruturado. “O currículo das faculdades de Ciências Humanas do país foi montado a partir da experiência do colonizador, que tem, é claro, o europeu como protagonista. Desde então, não houve reformas estruturais nesse currículo, que vem sendo reproduzido como se fosse a única possibilidade”, comenta.

Lopes reitera a importância do incentivo aos estudos pré-coloniais nas Américas, não apenas para melhorias na academia, mas, também, na própria sociedade. “O estudo das sociedades pré-coloniais ampliaria, nos tempos atuais, as noções de participação histórica de grupos subalternizados, e talvez levaria a uma melhor e maior atuação desses mesmos setores no cenário político e social tão complicado em que vivemos”.

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