Kai – Maria Tomaselli

Kai – Maria Tomaselli

Orelha que escrevi para “Kai”, da minha amada amiga Maria Tomaselli (ed. Escritos), a ser lançado no dia 11 de junho no Studio Clio.

É impossível adjetivar Maria Tomaselli como artista. Qualquer esforço me levaria a elogios e conceitos que, por mais esmerados e cuidadosos, não alcançariam o acontecimento de sua obra. Não me sinto à vontade para dizer nada sobre ela numa mera orelha, porque Maria é, para mim, muitas coisas maravilhosas que eu poderia expressar por um esforço conceitual e estético que deixaria, de qualquer maneira, a desejar. Eu poderia falar da genialidade de Maria Tomaselli, mas nunca poderia expressar a sua generosidade, essa qualidade da inteligência moral que ela preserva à revelia da história social cujos efeitos vemos na decadência de nossa época.

Tive a sorte de acompanhar algumas generosidades criativas de Maria Tomaselli, entre elas a criação de Kai, romance que o leitor abrirá daqui a pouco. Romance que leva o nome de um cachorro que conviveu com Maria por anos. Kai era o Doberman mais bonito e simpático que poderia existir. Maria cuidava dele, ele cuidava de Maria e sua casa, essa casa que um dia virou ateliê, onde a gente continua chegando como se chega a um lugar onde é possível sentir-se, de algum modo, sempre mais alegre. Onde sempre se é recebido com uma pintura nova, onde os olhos dos visitantes ficam nervosos de tanta luz. É nessa casa, no meio do silêncio interno e externo, esse silêncio devolvido a ele mesmo por janelas de vidro com adesivos para orientar o voo dos pássaros, que nasce a tela diante da qual se fica por horas tentando entender a mágica da cor.

Ao longo da vida, foram as gravuras em diversas técnicas, os desenhos, as esculturas que surgiram no meio de uma vasta obra de pintura. Mas dessa vez, nasceu um romance. Um romance que conta histórias tão simples quanto complicadas, romance feito da vida de Maria Tomaselli e seu marido, meu ex-professor, Carlos Cirne Lima, que, sendo, a meus olhos um príncipe, me faz compreender por que Maria mudou-se para Porto Alegre. É um romance feito das histórias de suas vidas, mas também da vida de pessoas comuns que seriam esquecidas da memória do mundo, e de pessoas mais conhecidas e que seriam lembradas por algum feito maior, mas das quais se perderia essa parte elaborada pelo olho de pintora de Maria Tomaselli – e também de filósofa -, esse olho que vê a parte e vê o todo, que vê o particular e vê o geral. O romance tem esse olho que dá a mesma importância a todo mundo, sabendo que a vida é feita de personagens, essa gente inventada que existe, essa gente que, mesmo existindo, foi inventada.

Aqui cabem todos. A arte da memória vira brincadeira onde qualquer leitor pode entrar e diverti-se com aquilo que, podendo ser verdade, é invenção e aquilo que, sendo invenção, pode ser verdade. A ficção é a própria Maria Tomaselli que, vivendo nesse mundo gaúcho, e prestando muita atenção nele com seu olhar de estrangeira, melhora sempre o nosso próprio olhar.

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Novembro

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