João e Maria

João e Maria
(Reprodução)

 

Lugar de Fala é o espaço dos leitores no site da Cult. Todo mês, artigos enviados por eles são publicados de acordo com um tema. O de junho de 2020 é “quarentena”


Maria acorda e encara o espelho desses comprados no camelô.

Sobre a mesa apertada nos dois cômodos da casa, alguns pães amanhecidos.

Prepara o café. Engole o caos da luta.

João mora do outro lado da rua em meio à desigualdade social esquecida.

Maria e João possuem uma força bruta.

Vão ao mercado do outro lado da cidade. Com máscaras pretas rezam para não serem confundidos.

No Brasil, preto tem cara de bandido. João e Maria sempre deram um jeito no verbo suportar…

Suportar o sol, a chuva, atropelos, dissabores. Os boletos chegando. O trabalho informal pedindo socorro.

Maria e João em seus barracos.

O pai de João está tossindo. Os dois trocam olhares preocupados.

No barraco de Maria, o filho pequeno pede colo, o do meio desenha no papel, a menina de onze anos fala baixinho:

– Mãe, se eu tivesse um computador com internet…

Estudar pelo celular… Tá difícil, mãe.

– É filha, por enquanto o computador não dá pra comprar.

– Vamos comer pão com ovos e tomates? Pra espantar as tristezas. Quer?

– Quero!

Antes de dormir, olham o desenho no papel. Seis mãos entrelaçadas

Mãe e filhos se alimentam de sonhos pequenos.

E assim termina o dia. Começa o dia.

Nem preciso contar mais.

Tudo está por um triz.

Ainda ontem morreu um menino negro.

 

Sandra Modesto, 59, é professora aposentada em Ituiutaba, Minas Gerais

 

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