Imperialismo, neocolonialismo e trabalho escravo

Imperialismo, neocolonialismo e trabalho escravo
(Arte Revista CULT)

 

 

Por Vinicius Souza

Na obra Imperialismo, estágio superior do capitalismo, Lenin discute a formação do monopólio burguês com base na forma como o mercado financeiro, ao se inserir no setor industrial, transforma profunda e permanentemente as relações econômicas no capitalismo. Sendo assim, o jogo econômico em voga no século 19, do livre mercado, livre concorrência e do pequeno patrão é, inevitavelmente, superado pelo monopólio, pois o imperialismo faz parte do curso natural do capitalismo. Conforme Lenin, o imperialismo é parte do desenvolvimento histórico do capitalismo e tem como marca da sua existência o começo do século 20, sobretudo, com a Primeira Guerra Mundial em 1914, já que era uma guerra imperialista, uma guerra onde as potências se enfrentaram por uma nova organização das colônias e dos mercados do mundo que, no geral, eram dominados por determinadas potências.

A formação do monopólio, que leva ao imperialismo, começa ainda no mercado nacional, quando o capital financeiro se insere nas relações de poder e econômicas do capital industrial. O financiamento do mercado financeiro no setor industrial, deu a possibilidade a super expansão das empresas. Quem já dominava o mercado passou a fazer sombra sobre ele e as empresas que dominam em conjunto o mercado, apesar de concorrentes, passaram a agir em conjunto para manter esse local de monopólio e frear qualquer crescimento externo que possa ameaçar sua hegemonia. Ao mesmo tempo, o domínio dos bancos representando o capital financeiro foi se aprofundando sobremaneira que funcionários membros dos altos escalões dos monopólios do capital financeiro, passaram a se tornar diretores das empresas com as quais os seus respectivos bancos tinham ligação, na intenção de manter e fazer a manutenção do monopólio e da hegemonia no mercado.

Ainda em meados do século 19, em meio as resoluções de crises econômicas internas, a Inglaterra já havia notado o lucro que poderia fazer exportando capital para financiar o seu modelo industrial no resto da Europa. Para entender a formação dos monopólios e o imperialismo é extremamente importante ter em vista o papel dos bancos neste processo:

O monopólio é a última palavra do “estágio mais recente do desenvolvimento do capitalismo”. Mas o nosso conceito a força efetiva e do significado dos monopólios atuais seria extremamente insuficiente, incompleto, reduzido, se não tomássemos em consideração o papel dos bancos. (LENIN, 2012, p. 53)

Quando se fala na concentração dos monopólios e no papel dos bancos como agentes financiadores deste processo, trata-se ao mesmo tempo de uma concentração dos principais bancos em um número cada vez mais reduzidos dos mesmos, gerando lucros extremamente altos, desta forma, o monopólio do mercado no geral que é gerado pelos bancos, ocorre em paralelo ao próprio monopólio das instituições financeiras:

A operação fundamental e inicial que os bancos realizam é a de intermediários nos pagamentos. É assim que eles convertem o capital-dinheiro inativo em capital ativo, isto é, em capital que rende lucro; reúnem toda a espécie de rendimentos em dinheiro e os colocam à disposição da classe capitalista. (LENIN, 2012, p. 55)

Trata-se de fato da formação de carteis do capital financeiro para atuarem no capital industrial através do sistema financeiro, expandindo os cartéis e o lucro. Lenin continua:

Á medida que os bancos se desenvolvem e se concentram num número reduzido de estabelecimentos, eles convertem-se, de modestos intermediários que eram, em monopolistas onipotentes que dispõem de quase todo o capital-dinheiro do conjunto dos capitalistas e de pequenos patrões, bem como da maior parte dos meios de produção e das fontes de matérias-primas de um ou de muitos países. Esta transformação dos numerosos intermediários modestos num punhado de monopolistas constitui um dos processos fundamentais da transformação do capitalismo em imperialismo capitalista… (LENIN, 2012, p. 55)

Essa junção do capital financeiro com a indústria gera a criação dos monopólios através dos cartéis, gerando uma hegemonia tão grande em vários setores da produção e do mercado nacional que estas empresas entram em um movimento inevitável de expansão para além das suas fronteiras. O mundo passa a ser divido através da dominação econômicas das potências mais desenvolvidas do capitalismo nos diferentes contextos. Isto é a dominação dos mercados estrangeiros pelas empresas destas potências estendo esse processo a influência política e cultural destas nações alvo dos imperialistas. As potências, por sua vez, são concorrentes uma das outras, então, como aponta Lenin, é inevitável o conflito imperialista pela repartição econômica do mundo. No inicio do processo de transformação do capitalismo em imperialismo capitalista, houve a Primeira Guerra Mundial, seus resultados posteriores, sobretudo, a devastação econômica que posteriormente fora agravado com a maior crise histórica o capitalismo, a crise de 1929, fertilizou o solo ao fascismo e gerou mais um grande guerra com profundas características marcantes da crise que o imperialismo deixou no mundo do início do século 20.

Desde a Primeira Guerra Mundial até os dias atuais, o imperialismo gera conflitos entre potências, seja em uma guerra civil na Síria, tensões políticas no oriente médio entre países resguardados, cada um, por potências como Rússia e Estados Unidos ou a guerra comercial entre as que são hoje as maiores potências econômicas do mundo, China e Estados, que disputam, inclusive, a influência política e econômica na América Latina junto a Rússia, sobretudo, no conflito imperialista que ocorre na Venezuela da Nicolás Maduro.

O imperialismo se desenvolveu após o estudo de Lenin e tomou proporções cada vez maiores. Com os processos de independência na África do século 20, as potências europeias perderam o controle colonial de seus antigos domínios. Uma questão surgiu — como o mercado monopolistas e expansivo do capitalismo imperialista europeu reagiria a essa perda? Através do que denominou o revolucionário e intelectual africano, Kwame N’krumah[3], de neocolonialismo. N’krumah considerou o neocolonialismo como o estágio avançado do próprio imperialismo. Trata-se da forma como as potências europeias permaneceram no domínio dos Estados africanos, suas antigas colônias.

Com o processo de independência na África, em muitas colônias, diferentes classes sociais se uniram em torno do processo de libertação. A elite africana que já havia se formado neste momento e que, posteriormente, se converteria na burguesia africana, junto dos operários e camponeses africanos, em vários casos, realizaram o processo de luta política. Porém, a posteriori, a pequena elite africana adotou o sistema capitalista, se aliando ao capital internacional, subjugando os trabalhadores africanos:

Sob dominação colonial, a luta dos operários era essencialmente contra a exploração estrangeira. Neste aspecto, era mais uma luta anticolonial do que uma luta de classe. […] O aspecto sócio-racial da luta dos trabalhadores africanos persiste ainda na época neocolonialista, tentando fazer esquecer aos trabalhadores a existência da burguesia nativa exploradora. O ataque dos operários é dirigido contra os europeus, libaneses, indianos e outros, esquecendo-se do explorador nativo reacionário. (N’KRUMAH, 2017, p. 59)

Essa classe burguesa africana é entreguista e se mantém em sua posição sendo uma porta de acesso da burguesia europeia a África, a dominação imperialista e colonial passa a ser indireta, porém permanece sendo total. Através da burguesia nacional, as potências internacionais dominam a economia e determinam a política nos Estados africanos e agem na repressão aos sinais de mudança revolucionária na África, o próprio Kwame N’krumah, após liderar a independência de Gana em 1957 e começar a instauração de um Estado socialista sofre um golpe das forças reacionárias locais e do capitalismo internacional. Desta forma, o neocolonialismo torna o continente africano uma fábrica e uma fazenda a disposição do capitalismo internacional.

Nos dias atuais, o capitalismo internacional é uma realidade. As fronteiras do mundo, quando se fala no mercado, são superficiais e a dominação capitalista de países terceiros por parte das grandes potências ganhou ares de normalidade travestidos de globalização. O monopólio continuou seu desenvolvimento e expansão inerentes a sua própria natureza. Uma questão de extrema importância a ser colocada — de que forma esse processo de expansão dos monopólios gigantescos influencia na escravidão contemporânea e na precarização das relações de trabalho?

A Nestlé, por exemplo, empresa Suíça que possui um dos maiores monopólios do mundo, pratica trabalho escravo infantil na África Ocidental para a produção dos doces super processados que chegam nos comércios do ocidente, além disso, domina uma parte extremamente grande do mercado de produtos desta demanda. Outras marcas de chocolate fazem uso das mesmas práticas como Mars e Hershey que também chegam aos mercados brasileiros. Um dos picos da denúncia deste processo é o documentário O Lado Negro do Chocolate, lançado em 2011 pelo jornalista dinamarquês Miki Mistrati, com relatos de jovens vítimas deste processo de escravidão.

Existem também os casos de empresas de artigos esportivos como a Nike que explora o trabalho escravo infantil em diversas regiões da Ásia, como fora denunciado pela OIT (organização internacional do trabalho) e a UNICEF, com crianças a partir de 6 anos ganhando 1 dólar por dia. Existem também os casos clássicos representados em diversos filmes dos Estados Unidos que são os Call Centers instalados na Índia por este país.

Esse tipo de realidade não acontece somente em locais distantes, entre 2017 e 2018 cerca de 8 mil crianças e adolescentes brasileiros, trabalham na produção de cacau para as multinacionais monopolistas deste ramo, segundo pesquisa realidade em parceria entre a OIT e o extinto Ministério Público do Trabalho no Brasil.

Segundo um relatório apresentado na ONU em 2018 na ONU, pela fundação Walk Free, cerca de 40,3 milhões de pessoas foram submetidas a escravidão no mundo em 2016. No Brasil, liderando o índice na América Latina, foram cerca de 370 mil pessoas submetidas a escravidão.

O que está por trás dos números alarmantes do trabalho escravo no mundo em pleno século 21? Por que na atualidade se tem, também, um movimento que está gerando um processo de precarização das leis que configuram os direitos trabalhistas como por exemplo as reformas trabalhistas e da previdência no Brasil?

Para compreender esse processo, voltamos a Lenin e sua análise sobre o imperialismo. Para Lenin, o desenvolvimento do imperialismo é algo inerente ao capitalismo, a sociedade da propriedade privada dos meios de produção. O imperialismo configura um super desenvolvimento da razão de mundo capitalista. N’krumah, analisa e a ponta a forma como o próprio imperialismo se desenvolveu e criou o neocolonialismo. Não se pode esquecer que o ponto central para o desenvolvimento do imperialismo é a formação do monopólio da propriedade privada e a hegemonia da produção e comércio dos setores do mercado por pequenos grupos de empresas que estão em carteis junto a um pequeno grupo de bancos que dominam o capital financeiro.

Com o desenvolvimento acelerado dos monopólios através do imperialismo e neocolonialismo dos séculos 20 e 21, foram geradas hegemonias gigantescas no mercado no contexto do capitalismo internacional. Por exemplo, o caso da Nestlé, são inúmeras as marcas do mercado que hoje são propriedade desta empresa. Como atender a demanda de produção em velocidade industrial, própria do sistema capitalista, quando se domina um pedaço tão grande do mercado em determinados produtos? Como produzir em uma velocidade que consiga suprir a demanda de um produto que está nas prateleiras dos comércios de boa parte do mundo? A reposta é escravidão. A formação incontrolável dos gigantescos monopólios, naturais do desenvolvimento histórico do capitalismo, necessita do trabalho escravo e semi-escravo para atender a suas demandas de produção e consumo, já que um número cada vez mais reduzido de empresas, passaram a dominar tantos setores diferentes do mercado. Desde a produção do cacau a produtos têxteis, os grandes monopólios usam o trabalho escravo para as suas demandas hegemônicas do capitalismo internacional. Assim como a precarização dos direitos trabalhistas em determinados países, como, por exemplo, um dos critérios da burguesia alemã no recente tratado de livre comércio entre Mercosul e União Europeia é a flexibilização das leis trabalhistas nos países do primeiro bloco.

Por essa perspectiva, o trabalho escravo, semi-escravo e precário é tão parte do desenvolvimento histórico do capitalismo como é o próprio imperialismo. O século 20 marcou esta mudança profunda e permanente na economia mundial com a emergência do imperialismo e neocolonialismo, ambos os sistemas se desenvolveram e geraram ainda mais contradições que configuram as complexidades do capitalismo internacional nos dias atuais.

Os trabalhadores do mundo precisam se organizar, as contradições cada vez mais intensas do desenvolvimento do sistema capitalista acirra a luta de classes e aumenta em vários níveis a consciência e vontade de luta da classe trabalhadora em todas as partes onde estes são explorados. O dever dos revolucionários é organizar os trabalhadores para que o direcionamento correto da luta seja tomado e a revolução mundial seja realizada pelas mãos trabalhadores. A revolução é inerente, organizar é preciso. Rumo ao socialismo!

Vinicius Souza, 21, é estudante de História, professor na Rede Emancipa, pesquisador docente em Ensino de História e coordenador da Revista Clio Operária

 

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