Idade mater para a ciência

Idade mater para a ciência

 

 

 

Lugar de Fala é o espaço dos leitores no site da Cult. Todo mês, artigos enviados por eles são publicados de acordo com um tema. O de outubro de 2021 é “maternidade”


É fácil para quem não tem sistema reprodutor feminino impor a maternidade à mulher. Tal condição está presente em uma sociedade que a assassina, tolhe sua vida plena, cobra-lhe a jornada tripla, retribui-lhe e valoriza-a bem menos e, como se não bastasse, quer estatizar seu útero. Sim, o que seria questão de saúde pública, como aborto, ou ainda de direitos reprodutivos, planejamento familiar e educação sexual, vira tudo caso de polícia ou, pior, de falso moralismo. Além do toque religioso, é bom não esquecer, neste país que caminha para a extinção da laicidade do Estado.

Na ciência e nos meios acadêmicos, alguma reflexão sobre a questão vem sendo introduzida, ainda que incipiente. O instituto Serrapilheira de fomento à pesquisa científica, por exemplo, valoriza a mãe que submete proposta de projeto de pesquisa, assunto avaliado pela análise do discurso de seu site à época. Aqui, à data máxima de obtenção do doutorado é colocado um prazo maior. O não dito nessa proposta é defender de um lado o feminismo, e, de outro, valorizar projetos de mulheres jovens, uma vez que são as pesquisadoras mais novas as contempladas com apoio. A presença da mulher na ciência é menor que a do homem e uma das barreiras é a maternidade. O Serrapilheira procura então não necessariamente trazer uma questão de feminismo à tona, mas equilibrar o eventual prejuízo que uma mulher tem por ter dedicado parte grande de seu tempo à maternidade e aos cuidados com o bebê.

Ilustro o direito à decisão com uma trova feita no mês de maio, que não teve muita aceitação: A maternidade é opção / da mulher somente dela; / respeitar quando diz não / ou quando abre esta janela. A rima não foi das melhores, concordamos, a intenção era defender a opção única e exclusiva da mulher pela maternidade, na ciência ou em qualquer outro local. Teria saído do lugar comum?

 

 

Adilson Roberto Gonçalves, 54, é pesquisador da
Unesp, membro de institutos e academias culturais.

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