Guerrilha, um poema de Diana Junkes

Guerrilha, um poema de Diana Junkes
Samsara, Bettie Saar, 1960 (Foto: Reprodução/Wikiart)

 

há um corpo morto
no fundo da casa de nádia thamar
a carne feita de livros cheiros
violão uma boneca de pano
atrai as baratas
já o espectro resiste
aos mais famintos vermes

há outros muitos corpos pela rua
almas penadas vagando
sob máscaras puídas valas lágrimas
não há porém espaço para esta alma imperecível
a não ser no fundo escuro pútrido alagado
da casa de nádia thamar
entre os farelos de afeto
no dizer do amor recusado
que negou o encanto e o eco
à carnadura do verbo

a madrugada estende-se numa espécie de letargia
nádia thamar permanece sob os lençóis
lavada de urina e pavor

o fantasma vaga geme
não lhe dá sossego às pálpebras
anda pelo quintal
invade o quarto deita-se sobre ela
enfia-se pela vagina
arranha as trompas o útero
esmaga os ovários
enquanto sobe
implacável
queimando vísceras
mastigando
entre os dentes banhados de nicotina
o que lhe aparece pela frente

o coração da mulher se aquieta
é preciso preparar o golpe fatal:

de repente o surpreende
entre as cordas vocálicas
enforca o espectro com o mesmo ódio
implacável que dele aprendeu

nádia thamar grita versos irados
nada estanca a hemorragia das
suas palavras

(ele se desfaz dentro dela
em estilhaços que vão suturar
seus tecidos órgãos nervos
os espelhos e feito vacina
tornarão imunes
a memória das células)

(abril/2021, pela voz das mulheres vítimas de violência,
invisibilizadas e silenciadas por seus companheiros,
durante a pandemia da COVID-19)

……………………………………………..

Há muitas formas de violência praticadas contra as mulheres. A violência simbólica é uma espécie de pandemia invisível, que faz inúmeras vítimas. Traz danos aterradores e pode condená-las ao silenciamento e à subtração de si e e o que é mais grave: pode levá-las a duvidar fortemente de sua própria capacidade de discernimento e raciocínio; de seu direito ao respeito, à liberdade e à vida. Pode deixar, enfim, sequelas irreparáveis.

Diana Junkes é poeta, crítica literária e professora da UFSCar.


> Assine a Cult. A mais longeva revista de cultura do Brasil precisa de você

Deixe o seu comentário

Novembro

TV Cult