Escrita aos 23, peça inédita de Haroldo de Campos é publicada 65 anos depois

Escrita aos 23, peça inédita de Haroldo de Campos é publicada 65 anos depois
O poeta Haroldo de Campos (Foto German Lorca/Divulgação)

 

Em 1952, quando os irmãos Haroldo e Augusto de Campos e Décio Pignatari fundavam o grupo Noigrandes, articulador da poesia concreta, Haroldo de Campos, então com 23 anos, escrevia uma de suas primeiras obras literárias, a peça teatral Graal – legenda de um cálice. Única criação do poeta para o teatro, o texto inédito, publicado pela editora Perspectiva, será lançado neste sábado (25), na Casa das Rosas, em São Paulo.

No drama de dois atos, Graal, um poeta de linguagem arrojada, tenta conquistar sua amada Áurea, enquanto resiste às seduções do mundo capitalista e de linguagem simplista. Romântico, ele floreia suas frases para Áurea, na medida em que nega as propostas de um comerciante e do diabo, que lhe oferecem sucesso, dinheiro, poder e mulheres caso abandone a poesia.

“É uma peça muito juvenil, não no sentido de ser tola, mas de ter muitos arroubos românticos”, afirma Carlos Rahal, doutor em Artes Cênicas pela USP e organizador da obra. “Mas isso é interessante, porque quem conheceu o Haroldo sabe que ele tinha esse traço romântico.”

O organizador vê outras semelhanças entre Graal e Haroldo, como a busca do personagem pela arte mais pura e sublime e o fracasso da poesia diante da maior parte da população. “Não chega a ser um alter ego, mas Graal, pra mim, tem algo de Haroldo, com essa criação de uma poética que não é compreendida. E também a recusa de entregar sua pérola, sua poesia, ao povo ignorante”, diz.

Esses dilemas também estão indicados no tema mitológico da peça. O graal, segundo a lenda, seria o cálice que recebeu o sangue de Jesus Cristo, representando as buscas impossíveis do homem. Além de nomear a personagem, o graal simboliza suas metas inatingíveis: o amor de Áurea, moça simples que não compreende sua sofisticação de poeta, e o reconhecimento literário, que não chega já que as pessoas não o entendem.

Outra mitologia que aparece no texto de Campos é o pacto entre Mefistófeles (o diabo) e Fausto, homem que procura poder e fama. Na versão de Haroldo, Graal é tentado por Lúcifer, mas se mantém fiel aos seus ideais poéticos. A referência ao mito, inclusive, está indicada no subtítulo da peça, “bufotragédia mefistofáustica”, uma mistura entre tragédia e piada, tendo como pano de fundo a lenda de Fausto.

Essa combinação, assim como a junção de palavras para criar novas expressões, são inovações que já indicavam os caminhos que levariam Haroldo à poesia concreta. Publicada no Brasil a partir de 1956 pelo grupo Noigrandes, a poesia concreta propõe a valorização da visualidade do poema, a atenção à organização espacial das palavras e suas aglomerações em novos termos, além do jogo com outros idiomas.

Na peça, vemos esses procedimentos na criação de palavras como “Todaluz”, “Luciphalus”, “Aureamusa” e “mimmesmo”. E também no uso de palavras estrangeiras para nomear alguns personagens – Dame Mémoire (Dama Memória, em francês), Messire Le Mot (Meu Senhor, a Palavra, também em francês) e Vox Populi (Voz Popular, em latim). O poema que encerra a peça, inclusive, foi publicado por Haroldo quatro anos depois.

“A publicação desta peça contribui para entender o surgimento de temas e procedimentos formais que, depois, vão se desenvolver em sua obra posterior”, afirma Julio Mendonça, coordenador do Centro de Referência Haroldo de Campos. Obra que, como afirma, teve papel revolucionário na poesia da segunda metade do século 20.

Mendonça é um dos participantes da mesa ‘As revistas de poesia de invenção’, que ocorre junto com o lançamento do livro. Também estarão presentes no debate Jacob Guinsburg, Lucio Agra, Claudio Daniel, Nelson Ascher e Omar Khouri.

Para o organizador Carlos Rahal, Graal pode ser considerado “quase um manifesto pela poesia, pela integridade da arte”, em uma época em que “tudo é diluição, tudo é feito pra ser consumido rapidamente e ganhar dinheiro”. “Resta saber se o Haroldo, poeta, alcançou o seu graal, aquilo que é inatingível, a perfeição poética”, questiona-se Rahal.

Graal – Legenda de um cálice
Haroldo de Campos
Perspectiva
112 páginas
R$ 35

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