Ginecropolítica
Edição do mês
Membros do movimento Criança Não É Mãe realizam protesto contra o projeto de lei (PL 1.904/2024) que equipara aborto de gestação acima de 22 semanas a homicídio, em Brasília, em junho de 2024 (Marcelo Camargo/Agência Brasil)
“Faz bem matar as moças em pensamento, em narração.”
Nicole Loraux, Maneiras trágicas de matar uma mulher (1985)
Margaret Atwood, autora do memorável O conto da aia, certa vez perguntou a um amigo o que os homens temiam nas mulheres. Como resposta, ouviu que os homens tinham medo de que as mulheres rissem deles. Ao perguntar a um grupo de mulheres o que elas temiam nos homens, ouviu que elas tinham medo de serem mortas por eles.
Esse relato é contado na abertura do livro Femicide: The Politics of Woman Killing , organizado no começo dos anos 1990 por Jill Radford e Diana Russell. Desde os anos 1970, Russell insistia na ideia de que o assassinato de mulheres pelo fato de serem mulheres fosse tratado como feminicídio.
Certamente, há muito de real no medo da morte violenta vivido pelas mulheres da anedota de Atwood. Basta olhar as estatísticas relativas à violência sofrida por elas em profusão pelo mundo afora. Contudo, é a desproporção na relação entre homens e mulheres, as posições nessa confrontação, o que causa a maior estranheza. A mulher que ri significa uma ameaça ao narcisismo masculino receoso de ser ridicularizado, enquanto o homem representa uma ameaça à própria vida da mulher. Duas categorias importantes despontando na cena: a ameaçabilidade e a matabilidade. Elas vêm a ser o par categorial que expõe o funcionamento do sistema de governo patriarcal sobre corpos heterodenominados “mulher”. A internalização do medo do homem compõe a mutilação existencial de que falava Beauvoir sobre a matriz de subjetivação
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