A ficção de Deus – Gustavo Bernardo

A ficção de Deus – Gustavo Bernardo

Publico aqui a orelha que fiz para “A ficção de Deus”, o maravilhoso livro de Gustavo Bernardo (publicado em 2014 pela ed. Annablume). Recomendo a leitura a todos, os que creem e os que não creem.

Epifania. De todas as categorias analisadas por Gustavo Bernardo, “epifania” é a que melhor serve para expor o acontecimento deste livro perfeitamente intitulado “A Ficção de Deus”. Trata-se de um acontecimento luminoso no mundo do ensaio, gênero que agrada a quem quer pensar, a quem se interessa pela história, pela filosofia, a quem tem amor pelo conhecimento tecido no cuidado com a linguagem que fez nascer um livro tão bonito como este. Reflexão e confissão estão aqui reunidas, colocando-nos diante de uma obra incomum, em que o autor, ao conversar com o leitor, sem medo e com muito respeito, lhe dará uma nova e inusitada chance no processo histórico que é a vida, a de conhecer a ficção de Deus.

O método é já uma delicada epifania do pensamento do autor. O leitor perceberá que as palavras são animadas pelos conceitos que vêm apresentar. No todo, o livro, cuidadosa e poeticamente escrito, causará admiração e aquela vontade de ler com calma para deleitar-se a cada página. Este “livro sobre tantos livros” inclui o cinema no cenário da liberdade de pensar que se tornou incomum em nosso tempo de experiência espiritual empobrecida. Anjos e sinos ajudarão a entrar no clima desse pensamento afetivo que caracteriza o método filosófico-poético de Gustavo Bernardo.

Mas a linguagem, a lógica interna que permite a existência do livro como peça ensaística, é apenas a segunda dimensão da epifania que temos em mãos. Esse livro pode causar alegrias bem humoradas. Mas pode também fazer chorar. E até mesmo assustar a quem não se relaciona com a poética da dúvida na qual ele se tece. Assim, digamos que Deus não seja o assunto mais importante de nossas vidas. Aí é que seremos ainda mais surpreendidos. A dúvida é a grande epifania, a epifania radical e necessária quando se trata de pensar em Deus. Talvez então venhamos a descobrir que Deus nos interessa muito mais do que poderíamos supor. Ora, este é um livro para crentes em geral, mas é também um livro para ateus, e mais ainda, um livro para quem ficou na indecisão. E isso porque a complexidade da questão “Deus” atinge a todos nós. Podemos discutir se somos ou não “filhos de Deus”, mas certamente a “deusa minúscula” que é a ficção está na origem de todos nós.

Dividido em atos, “A Ficção de Deus” dialoga com o simples leitor que somos, mas também com o universo de autores para quem, de um modo ou de outro, Deus está em jogo: de Chesterton a Adélia Prado, de Dawkins a Dráuzio Varella, de Sebastian Faure a Luís Fernando Veríssimo, de Kázantizákis a Laerte, de Santo Anselmo a Grahan Greene, de Petrarca a Saramago, de Miguel de Unamuno a Hélio Schwartzman, de Jesus Cristo ao Super-homem, ninguém fica de fora da busca de Gustavo Bernardo.

Criando sua própria teoria da ficção de Deus, desse Deus personagem que é ao mesmo tempo autor da ideia de humanidade inventada pelo ser humano, o que Gustavo Bernardo consegue é recuperar a poesia da religião, ao mesmo tempo que nos ensina a ler melhor os fenômenos religiosos, o que se diz de Deus, o que se faz em seu nome.

Sem deixar de por o dedo nas feridas mais aterradoras, como o fundamentalismo, Gustavo Bernardo pensa e escreve com a generosidade de um santo. Poesia e filosofia são seus votos. Este livro é um templo no qual ler é como rezar. O milagre é a chance de olhar de frente para a ficção na qual nos inventamos a cada dia.

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Novembro

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