Eu é um outro

Eu é um outro

por Marcos Flamínio Peres, na Bélgica

A meta era ambiciosa: apresentar ao olhar estrangeiro um Brasil que fugisse dos clichês, que escapasse ao lugar-comum que sempre o perseguiu desde o Descobrimento.

A Europalia, grande festival de arte, música, performances, shows, exposições e literatura cuja última edição foi dedicada ao Brasil, transcorreu de início de outubro de 2011 a meados de janeiro passado. Uma de suas principais atrações, porém, a mostra Índios no Brasil, teve sua temporada estendida até 15 de abril.

O país-sede do evento – criado em 1969 – é a Bélgica, em especial Bruxelas. Contudo, boa parte das exposições viaja pelas cidades não só do interior do interior do país mas também da França e da Holanda.

Segundo Kristine De Mulder, diretora-geral do festival na Bélgica, um terço do público vem de fora do país, e a área mais procurada é a música.

Com cerca de 2.650 obras oriundas do Brasil (850 delas tombadas), a Europalia tem um alto custo, dividido meio a meio entre os dois países: cada lado arcou, em média, com o equivalente a R$ 30 milhões.

Mas, para além da cultura, há um conceito geopolítico, uma estratégia de marketing internacional que orienta a edição brasileira do festival. Cultura, sob esse ponto de vista, é uma commodity – ou um “soft power”, para retomar o termo criado pelo cientista político norte-americano Joseph Nye.

Esse “poder brando” é usado por governos e organizações para influenciar, em nível cultural e ideológico, outros governos, povos e organizações.

Não por acaso, o Ministério das Relações Exteriores teve presença ativa na concepção e organização da Europalia. Marcelo Dantas, diplomata de carreira e diretor executivo da parte brasileira do evento, insiste na ideia de vender uma imagem diferente do país no momento em que ele se torna a sexta economia mundial e, na prática, um ator global. Para Dantas, a Europalia é, antes de tudo, “soft power”.

Na coletiva concedida em Bruxelas pela ministra da Cultura, Ana de Hollanda, ficou evidente o protagonismo do Itamaraty. André Amado, embaixador brasileiro no país, insistia na “importância de colocar a cultura brasileira em primeiro plano” (embora arriscando-se a comparações genéricas à la Darcy Ribeiro, do tipo “o Canadá [por exemplo] não tem essa diversidade [que o Brasil tem]”.

A ministra, em seu jeito tímido, reiterou a ideia de escapar do lugar-comum – “Evitamos os grandes nomes”. A prudência é saudável, pois é difícil não lembrar aqui do Ano do Brasil na França, em 2005, marcado também por desfile de mulatas e muito axé.

Talvez o exemplo mais bem-sucedido dessa linha tenha sido o Art in Brazil – 1950-2011, outra das exposições que constituem o núcleo duro da Europalia. A organização nitidamente privilegiou um enfoque antes estético que histórico – embora não abrisse mão deste último.

Destaque para os Bichos, as esculturas revolucionárias que Lygia Clark concebeu nos anos 1950 – “Os maiores que ela já fez”, como lembra Vanda Klabin, uma das curadoras. De mais contemporâneo, é preciso citar O Descanso do Pintor (2009), de Paulo Pasta, ou a instalação visual do Chelpa Ferro Cem Metros Rasos (2006).

Com a mesma intenção de renovar a imagem do país está a notável coleção de gravuras expostas na pequena La Louvière, quase na fronteira com a França, com obras de Sergio Fingermann, Maria Bonomi, Evandro Jardim e outros, ou, ainda, a apresentação do grupo Corpo em Bruges, já perto da Holanda.

Por fim, outra das grandes mostras do evento foi a Terra Brasilis, voltada para a representação da fauna e da flora do país. Eddy Stols, seu organizador, ressalta que, para um europeu, a natureza brasileira se apresenta como uma “catedral cultural”.

Com vários trabalhos de Eckhout, Adriaen Coenen etc., a mostra porém, pecou por “carecer de arte popular”, como afirma Stols, professor emérito da Universidade Católica de Louvain.

Essa afirmação acaba por sintetizar o risco que percorreu toda a concepção desta arrojada Europalia: a de, junto com o clichê, abandonar também a ideia de um Brasil pré-moderno – que ainda existe e pulsa.

O jornalista viajou à Bélgica a convite da organização do evento

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Novembro

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