Espírito, consciência e cérebro

Espírito, consciência e cérebro
 Juvenal Savian Filho

 Tem sido muito comum encontrar na literatura científica defensores de uma identificação entre o funcionamento cerebral e os fenômenos da consciência humana, incluindo as experiências espirituais. Chegou-se mesmo a defender a existência de um gene de Deus, ou seja, um gene que predisporia o indivíduo à crença, à espiritualidade. É o caso do geneticista americano Dean Hamer, autor do livro O gene de Deus. Certamente Hamer não quer defender que o cérebro humano é quem “cria” Deus, mas muitos de seus seguidores chegaram à conclusão de que Deus é uma invenção, ligada à ação da serotonina, a molécula do bem-estar. 

Na contracorrente dessa posição está o neurocientista canadense Mario Beauregard, que encontra também em pesquisas neurocientíficas bases para dissociar os fenômenos da consciência humana, sobretudo referentes à espiritualidade, dos meros mecanismos cerebrais. Suas pesquisas o levaram a falar na existência da alma como princípio imaterial e pensante de toda entidade dotada de vida. Mario Beauregard é membro do Centro de Pesquisa em Ciências Neurológicas e do Centro de Pesquisa em Neuropsicologia Experimental e Cognição da Universidade de Montreal. Ele respondeu às questões propostas pela CULT em passagem pelo Brasil, onde foi lançado seu livro O cérebro espiritual – Uma explicação neurocientífica para a existência da alma (Editora Best Seller). 

Baauregard: "Para mim, a alma é o princípio pensante de toda entidade dotada de vida"

 

CULT – Seu livro faz menção aos limites do materialismo científico. O senhor poderia resumir a ideia central do materialismo?
Mario Beauregard
– A ideia central do materialismo consiste em que tudo o que existe tem uma causa material, isto é, uma causa governada pelas forças da natureza tais como compreendidas pela física clássica. Segundo o materialismo, a consciência e o espírito (quer dizer, os processos mentais) não podem existir independentemente do cérebro; e a crença numa vida após a morte seria absurda. Além disso, todas as crenças e experiências referentes a Deus e a mundos espirituais seriam fruto de superstições ou alucinações; o livre-arbítrio, ainda, seria uma ilusão. 

Quais elementos o senhor encontra nas neurociências para afirmar que o materialismo não é suficiente para bem interpretar a vida cerebral?
Interesso-me particularmente pelos trabalhos em neurociência que visam compreender as relações entre o espírito, a consciência e o cérebro. Alguns desses trabalhos referem-se à experiência de morte clínica durante uma parada cardíaca. Quando há parada cardíaca, o cérebro deixa de funcionar depois de cerca de 10 a 20 segundos. Ora, muitos pacientes em estado de parada cardíaca parecem inteiramente capazes de experimentar processos mentais. Esse fenômeno demonstra que o espírito e a consciência não são gerados pelo cérebro. 

Poderíamos falar de alma?
Para mim, a alma é o princípio imaterial e pensante de toda entidade dotada de vida. A alma faz parte integrante da Fonte (Deus) de tudo o que existe no universo. 

Quando uma pessoa diz ter vivido uma experiência espiritual e captado aspectos não materiais da realidade, como podemos saber se isso que ela viveu não é uma criação de sua própria imaginação? O que nos leva a pensar que essa pessoa teve realmente a experiência de algo exterior, diferente dela mesma?
As experiências espirituais autênticas produzem frequentemente uma transformação psicológica marcada e positiva nos experienciadores. Uma tal transformação é acompanhada de uma maior capacidade de amar incondicionalmente, de não julgar o outro e de sentir a interconexão profunda com tudo o que existe. Efeitos benéficos como esses, e a longo prazo, não são associados ao imaginário ou a alucinações. É por isso que afirmo que as pessoas que vivem tais experiências entram em contato com uma realidade transcendente. 

As neurociências podem fornecer um apoio para a afirmação da existência de Deus?
As neurociências englobam todas as disciplinas que estudam a anatomia e o funcionamento do sistema nervoso. Essas disciplinas procuram estabelecer ligações (ou correlatos) entre o sistema nervoso e as funções mentais (por exemplo, consciência, memória, atenção, emoções). A questão da existência de Deus não pode ser resolvida pela identificação de correlatos entre a atividade cerebral e a atividade mental. 

O que o senhor pensa sobre a hipótese do “gene de Deus”?
Os resultados de numerosos estudos em genética indicam que os traços de personalidade e os comportamentos humanos implicam uma grande quantidade de genes. Assim, falar de um “gene de Deus” não tem sentido no plano científico e representa uma forma extrema de pensamento reducionista. É preciso precaver-se contra a tentativa de buscar uma explicação simples e única para todo fenômeno mental complexo; principalmente no que concerne à espiritualidade. 

O cérebro espiritual – Uma explicação neurocientífica para a existência da alma
Mario Beauregard
Trad. : Alda Porto
Editora Best Seller
444 págs. – R$ 49,90

(7) Comentários

  1. Carla,

    Creio que se Deus existir, não será o ceticismo dos ateus que o matará. Da mesma forma, se ele não existir, não será a crença dos religiosos que o criará.
    O dado que o pesquisador traz de pessoas com morte clínica temporária que relatam algum tipo de experiência durante este período reduz a relevância da inclinação devocional mais ou menos desenvolvida do paciente. Pode ser que o cérebro, por alguma razão evolutiva, construa alguma memória falsa para que o mencionado lapso temporal não soe tão ameaçador, mas essa é uma hipótese (talvez meio cambeta) que, eu, desconhecedor destas pesquisas, avento, e que, suponho, já deve ser levada em conta em estudos como este.
    De qualquer forma, certamente deve valer muito a pena a leitura para dirimir estas e outras dúvidas.

  2. A única certeza que tenho é que não sabemos nada. Aristóteles, que era o Einsten da sua época, acreditava em geração espontânea. Tudo está aí para ser questionado. Inclusive deus (em minúscula mesmo). Quantas “verdades” absolutas já não foram sumariamente derrubadas? Pense, questione e mude de idéia. Qualquer espécie de fundamentalismo é burro e perigoso.

  3. “Nada se cria… Nada se perde… Tudos se transforma”
    O tempo é infinito, tambem o é a existencia.
    Não há criador nem criatura.
    Somos experimentos unicos, que nunca se repetirá.
    Cada um se adapta ao universo de um jeito proprio.
    Poucas generalizações podem ser feitas, estas são algumas.

  4. Certa vez, em casa, Senhor Piter, como é conhecido aqui em Cotia, SP, bispo holandes (ou equivalente) ao ler a única frase que havia na parede de meu quarto, sobre a cabeceira da cama – Deus é a dificuldade de crer na evidência -, ficou silencioso até a minha inquietação, e depois disse: “Voce é filho de Deus”.
    Em seguida, quis conhecer os parcos poucos livros, eternos ao lado do computador, e foi apreciando um por vez, parecia uma criança quando descobre os segredos de um estrangeiro.
    A dificuldade de crer é extensa, infinita, onipotente, onipresente e, acima de tudo, onisciente. Só um exemplo: um crustáceo pensa?
    Este é meu primeiro comentário deste mês da revista Cult, e tomei esta matéria como uma fabulosa introdução.
    Nos próximos dias terei uma miríade de conhecimentos à cultuar, apreciar e mergulhar mais fundo nesta “placenta” cheia de segredos.
    Segredos da vida são também as imagens e semelhanças Dele.
    Segredos infinitos que haviam antes de nascer e para almentar depois que nascer. Darwin explicou – não era fundamentalista! – a matéria viva, desde o crustáceo até o Papa.
    A velocidade do pensamento é outro grande segredo de qualquer estrangeiro, seja ultra rápida ou ultra lenta – julgar as diferenças é somente interesse pessoal, frugalidade -, e assim que a criança pensa que já sabe tudo, provavelmente começa a morrer.
    Este mês, na minha revista tão imperfeita quanto favorita, se eu fosse apenas na direção (sentido de vida) de meu extremo lúdico religioso, diria que abraçaria simultaneamente 3 Deus; por não saber quase nada Dele(s), sustento-me o coração batendo; são ele Bergson, e elas Marcia Tiburi e Maria Rita Kehl.
    Finalizando, dizer que Deus existe ou Dizer que Deus não existe, em sentido ao meu extremo objetivo, é um ato de violência.

  5. Bons comentarios estes a respeito do tema. Importante ter pessoas com excelente capacidade de expor suas idéias de forma clara e concisa, fugindo de antigos dogmas, e colocando pontos de vistas diferentes mas que de algum modo se completam, e principalmente, respeitando a fé individual.
    Ja é tempo de podermos discutir assuntos, que antes polêmicos e restritos, de forma respeitosa.
    A sociedade como um todo ganha!

  6. Milênios de artefatos materiais, mito, arte, religião, filosofia, ciência e vulgaridade: ilusões do pintor que tira pincéis da própria carne e tintas do próprio sangue. Mas, carne e sangue, não é ele mesmo quem, sabe-se lá por que via de milagre, fabrica? E para quê? Para, obsessivo, esfregar na tela arredia a qualquer cor!

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