Especial Paulo Arantes | Depoimentos de Jorge de Almeida, Mário Sérgio Conti, Maria Lúcia Cacciola e outros sobre o filósofo

Especial Paulo Arantes | Depoimentos de Jorge de Almeida, Mário Sérgio Conti, Maria Lúcia Cacciola e outros sobre o filósofo
(Foto: Marcus Steinmeyer)

 

A edição 272 da Revista Cult convidou, para compor o especial “Paulo Arantes”, algumas pessoas que conviveram com o filósofo para darem um depoimento sobre ele.

O resultado é uma manifestação de afeto. Os textos de Jorge de Almeida, Mário Sérgio Conti, Maria Lúcia Cacciola, Ivone Daré Rabello e Pedro Mantovani encerram a série de depoimentos exclusivos do site.

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Dialética em ação

Jorge de Almeida
Ex-orientando de Paulo Arantes e atualmente professor de Teoria Literária e Literatura Comparada na USP

Tive a sorte de ser aluno de Paulo Arantes no primeiro semestre do curso de Filosofia. O tema nos assustava: um longo inquérito sobre as contradições históricas da figura do filósofo, de Sócrates aos pós-modernos, passando por Diderot, Kant, Hegel, Nietzsche, Adorno, Sartre e Foucault. Contradições que constituiriam o motivo principal da obra de Paulo: o esforço de apontar (no duplo sentido) as astúcias da dialética para compreender o real alcance de pensamentos localizados no aqui e agora de diversas épocas, tradições e sociedades. O resultado desiludia os idealistas: as mais duras verdades da filosofia muitas vezes nascem do esforço prosaico de entender o sentido histórico e intervir na realidade. Os textos densos de Paulo, nosso incansável mestre dialético, desdobravam-se em longas e frequentes palestras, nas quais suas ideias, questionamentos e iniciativas apareciam como relógio para muitos de minha geração. Décadas mais tarde, sua grandes lições teóricas continuam espelhando sua prática exemplar como intelectual público: na desordem dos tempos, o pessimista Paulo Arantes ainda vislumbra esperanças no futuro. Agradeço a ele pela orientação socrática, generosa e incisiva, que despertou em mim — e em tantos outros colegas — as dúvidas necessárias para a genuína formação filosófica e a necessária ação política nesse Brasil tão marcado pelo sentimento da dialética.


O curioso

Mário Sérgio Conti
Jornalista e escritor

Paulo Arantes tem uma característica que explica algo da sua personalidade de pensador, militante, professor e até sua perpétua juventude: a curiosidade. Ele procura o real sem parti pris ou certezas férreas, que no mais das vezes estão enferrujadas. Num mundo que treme sem parar, procura detectar as vibrações históricas subterrâneas com os sismógrafos que tiver à mão.

Sua curiosidade, um sinal de inconformismo, se traduz numa urbanidade a toda prova, tanto na convergência como na divergência. Ele é um perguntador tenaz que, ao contrário de tantos professores, escuta o interlocutor, seja ele chofer de táxi ou um entojado da classe dominante. Com a fisionomia relaxada, mas com a atenção concentrada no outro, aceita e pensa o que ele diz. Para então, com sua memória de elefante, ponderar, completar, discordar: criticar. Paulo Arantes prova assim que é possível ser, simultaneamente, cortês e intransigente, espirituoso e ferino, aberto ao novo e radical. Ou seja: dialético no plano intelectual e no pessoal.


Uma certa simpatia pelo pessimismo

Maria Lúcia Cacciola
Doutora em Filosofia pela USP e professora no Departamento de Filosofia da mesma instituição

Bom poder dizer: amigo Paulo Arantes.  Colega de profissão, acabei tendo a sorte de assistir dois de seus cursos, um sobre Hegel, a Ciência da Lógica, e outro que se chamava, ou foi alcunhado de, contra ideologia alemã ou anti-ideologia alemã, em que os protagonistas eram Kierkegaard, Schopenhauer e Nietzsche. Cursos que me “desasnaram”, segundo uma expressão favorita dele. De Paulo veio a sugestão de traduzir Sobre a filosofia universitária de Schopenhauer, o que, como aprendiz da língua alemã, fiz junto com o futuro prof. Marcio Suzuki, mais experiente. Não entendi muito bem por que a “dica”, mas a leitura atenta do excelente livro Ressentimento da dialética e, especialmente, da nota 88 do “Paradoxo do Intelectual”, tornou claro o intuito. Schopenhauer ali aparece como um marco da reação. Isto não foi muita surpresa e, mais tarde, numa homenagem ao aniversário de 20 anos do livro, comentei esta famosa nota que fala sobre a crítica de Schopenhauer aos Brotgelehrte ou “filósofos de profissão” ou “do ganha-pão”. Paulo retoma nesse texto às leituras dos frankfurtianos, especialmente Horkheimer e à de Lukács, pendendo mais para a deste último no seu juízo bastante ácido sobre Schopenhauer, reconhecendo seu pessimismo como fruto da miséria alemã. Esta estória vem para rememorar o tratamento cuidadoso e ao mesmo tempo irônico ao filósofo de Frankfurt cujo anedotário é, por sua vez, rico em passagens de arrepiar nossos cabelos de estudiosos engajados. Paulo foi também da banca do meu mestrado sobre Schopenhauer e Kant; a leitura do texto com extremo cuidado e rigor, e por que não, benevolência, deixava talvez transparecer uma certa simpatia pelo pessimismo.  Por essas e por outras escolhas, Paulo mostra o profundo respeito pelo trabalho do outro e pelo outro, oferecendo uma convivência pessoal ou literária sempre estimulante, em que as tiradas de fino humor são a dominante.


Mestre e guia

Ivone Daré Rabello
Doutora em Letras pela USP e professora na mesma instituição

Decerto Paulo Arantes não gostaria de assim ser chamado. Mas é o que muitos de nós sentimos. Mestre e guia, no sentido mais radical das palavras: aquele que nos ensina de maneira extraordinária e por isso nos inspira a pensar e repensar os complexos cenários da contemporaneidade. Também ele é guiado por mestres – generosamente sempre citados, sejam nomes reconhecidos sejam pesquisadores ainda em início de trabalhos – e assim reafirma que o conhecimento se produz por acumulação e disciplina. Sem nunca abandonar prazer e entusiasmo. Recusando-se muitas vezes a ser chamado de filósofo, e não por acaso, Paulo Arantes é um pensador essencial, que alia com incrível destreza muitos campos de saber, para assim dar corpo novo ao que já foi elaborado, revisitando e suprassumindo teorias críticas na chave dos tempos atuais, bem como provocando (a nós e a si mesmo) novas formas de pensar nosso presente e sobre ele atuar. Para avaliar a importância de sua crítica, basta ver a expectativa em que muitos de nós ficamos aguardando novas lives (os Seminários das Quartas deixaram temporariamente de acontecer). Basta ver a fecundidade de sua escrita exigente em que o pensamento sempre evolve em nuances complexas e decisivas: a cada vez que um de seus textos é relido, provoca novas apreensões e perspectivas. Apenas um exemplo, talvez pouco lembrado: em “Uma educação pela espera”, retomando um de seus críticos-guia, Paulo reapresenta o ensaio “Quatro esperas” de Antonio Candido e nota sua incrível atualidade, no mundo-catástrofe que se refere a um tempo que já dura mais de um século. Paulo Arantes termina dizendo: “(Continua)”. E, pelos caminhos que une tantos saberes, reacende nossa imaginação e nos instiga a insistir na investigação da atualidade para poder transformá-la.


Companheiro de viagem do teatro de grupo paulistano

Pedro Mantovani
Doutor em Filosofia pela USP e diretor de teatro

Talvez nem todo mundo saiba da atuação crítica do professor Paulo Arantes no teatro da cidade de São Paulo. Há mais de duas décadas, Paulo não só acompanha, como espectador entusiasmado e atento, o que há de mais relevante naquilo que ficou conhecido como teatro de grupo paulistano, como também tem sido um verdadeiro companheiro de viagem dos coletivos teatrais: cooperou com diversos grupos politizados da cidade, socializando sua reflexão sobre o Brasil e a marcha do capitalismo contemporâneo; convidado pelos grupos, assistiu a ensaios de inúmeras peças e fez comentários e sugestões sobre os rumos das encenações; e chegou até mesmo a ser membro, bastante ativo, diga-se de passagem, do conselho artístico do grupo Folias D’arte, um dos mais significativos da cidade.

Além dessa atuação ligada a grupos específicos, em alguma medida politizados e interessados na figuração da experiência brasileira, o professor mantém um vivo diálogo com o movimento de teatro de grupo paulistano, discutindo sua situação e expondo os impasses políticos (ainda vigentes) ligados à sua “luta por políticas públicas para a cultura”. Para os interessados em uma reflexão à esquerda acerca dos caminhos do teatro de grupo dos últimos vinte anos, a leitura das entrevistas que concedeu e de seus ensaios sobre o tema (A lei do tormento é um deles) será, sem dúvida, de grande utilidade.

 


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