A escrita do abjeto
Pyotr Pavlensky em sua performance Carcaça (2013)
A história da psicanálise é atravessada pela história da arte e da literatura. Não é o psicanalista que explica a arte, é a arte e a criação que ensinam ao psicanalista. A arte que inspirava Freud era uma arte com uma verticalidade ascendente, a sublimação freudiana nos conduzia em direção ao belo como forma de dar satisfação à pulsão sexual recalcada pelo superego. O baixo, o feio e o desagradável nas artes não eram o forte de suas referências. Podemos pensar que Freud era um teórico que visava à elevação, a uma ascese, enquanto Lacan, sua estética, se encaixaria mais no registro do baixo e do obscuro. O objeto a, termo incontornável da teoria lacaniana, traz de modo muito preciso essa dimensão do abjeto. O objeto a não se deixa aspirar pelo belo pois reconhece a cilada narcísica do espelho que, antes de tudo, vela que o objeto como dejeto, como aquilo que não assimilamos em nossa própria imagem ideal, é, por excelência, um resto de corpo. Gosto muito do modo como a psicanalista francesa Marie-Hélène Brousse esclarece o objeto lacaniano usando o exemplo do cabelo. O cabelo é aquilo que nos emoldura para nos aproximarmos de nosso próprio ideal de imagem, a imagem que fica bem na foto; nesse sentido, o objeto cabelo promove uma elevação narcísica, como as perucas que emolduravam a corte francesa. Contudo, ninguém gosta quando vai a um hotel e encontra um tufo de cabelo molhado entupindo a pia, ou quando encontra um longo fio de cabelo na sopa. Trata-se do mesmo objeto, em sua vertente de belo e em sua vertente de dejeto.
Essas
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