Elon Musk está nu!
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Em seu livro mais recente, Além do princípio do pudor, o psicanalista Jurandir Freire Costa explicita uma característica da retórica dos líderes da extrema direita: o exercício da infâmia. Avesso da fama, a infâmia consiste em rebaixar os valores e os personagens que engrandeceram a humanidade – e que por isso são lembrados e evocados como ideais que norteiam a vida social – promovendo, ao contrário, o enaltecimento do que é repudiado e considerado desonroso. Dessa maneira, o que causava pudor é agora exposto a público sem nenhum embaraço; a obscenidade política passou a ser ostentada, e com orgulho.
O exemplo mais recente foi a saudação nazista, repetida duas vezes pelo proprietário da rede social X, Elon Musk, em evento após a posse do presidente norte americano Donald Trump. Rebatendo as críticas, Musk não apenas negou o óbvio ululante, como ironizou-as, alegando que “ataques do tipo todo mundo é Hitler” estariam desgastados.
O que causa surpresa maior não é o já conhecido cinismo do bilionário, mas o modo como muitos cidadãos simpáticos às posições da direita mais ou menos extrema, acreditaram na versão de que a mímica nazista foi apenas um “gesto estranho em um momento de entusiasmo”, ou um “sinal de mão socialmente desajeitado de um homem autista”, segundo um conhecido historiador, ou pior, algo “engraçado”. Afinal, o bilionário seria um homem muito bem-humorado. Como é possível que a percepção de tantas pessoas seja alterada a ponto de converter uma evidência flagrante em fato questionável?
Alguns dispositivos psicopolíticos são capazes de produzir esse tipo de incerteza em relação às próprias percepções. Um deles é a manipulação, por parte de figuras de autoridade, do amor dos seus simpatizantes. O psicanalista Sándor Ferenczi criou a concepção de “confusão de línguas” para explicar como é possível transformar a lealdade em uma modalidade de paixão capaz de cegar, hipnoticamente, aquele que nutria confiança por um líder idealizado. Assim, se uma celebridade política emite mensagens dúbias, ou mesmo enuncia mentiras deslavadas, a submissão terna de seu seguidor tende a fazer com que ele se defenda da confusão criada – que o deixa desamparado, “sem chão”, como dizemos – duvidando das próprias percepções, de modo a manter a fé de que aquele a quem se admirava, continua digno e merecedor de confiança.
Na conhecida fábula de Andersen, uma criança inocente expõe ao público a verdade que ninguém queria enxergar: a roupa nova do rei era uma farsa; “o rei está nu!”, exclamou. Na farsa histórica à qual estamos assistindo, não há roupa nova. O rei – e eles, os reis, estão voltando – prefere se despir em público e escancarar suas intimidades, suas paixões mais sórdidas. E as crianças inocentes somos nós, que acreditamos que essas vergonhas são uma roupa vistosa.
Como diz Freire Costa, “os porões da cultura ocuparam a sala de jantar”; ou seria o salão oval?
Daniel Kupermann é psicanalista e professor da USP