A distopia do presente

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A distopia do presente
Cena do filme “Fahrenheit 451” (1966), baseado no livro homônimo de Ray Bradbury (Divulgação)
  Quando um termo ou tema entra em circulação de forma recorrente na esfera pública, pode ser um sintoma de época. No campo da literatura, quando esse termo ou tema passa a designar um conjunto de obras, muitas vezes codifica um novo gênero ou subgênero literário. É o que acontece hoje com a palavra distopia – que se presta a descrever tanto o desenho autoritário de sociedades para as quais confluem globalização tecnológica e populismo reacionário quanto as narrativas que as representam. (E, diga-se entre parêntesis, se escolho o assunto para dar início a essa coluna na Cult, na qual me proponho tratar de obras literárias atravessadas por questões contemporâneas, é porque a doença da qual a distopia é sintoma talvez já tenha tomado nosso corpo social.) Distopia não é um termo novo e deriva de outro ainda mais antigo, utopia. A diferença de seu uso atual está num adendo que circula em textos de jornal e redes sociais, conferindo-lhe significado específico: distopia do presente. A expressão é comum: “estamos vivendo uma distopia”; “nossa realidade é distópica” – com o inevitável contraponto ficcional relacionando as “narrativas” e fake news da era da “pós-verdade” à novilíngua de 1984, romance de George Orwell que, ao lado de Admirável mundo novo, de Aldous Huxley, e Fahrenheit 451, de Ray Bradbury, consagrou o gênero ao longo do século 20. E se esses livros localizam a distopia num futuro hipotético, contra o pano de fundo das sociedades totalitárias (nazismo, stalinismo) à sombra das quais foram escr

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