EUA, Brasil: disputa histórica

EUA, Brasil: disputa histórica
(Foto: Arte Revista Cult)

 

Lugar de fala é o espaço dos leitores no site da Cult. Todo mês, artigos enviados por eles são publicados de acordo com um tema. O de novembro de 2020 é “eleições”.


Já que não posso ver senão os poucos fatos que acontecem em minha presença, vejo a reportagem sobre aqueles que acontecem à minha distância.

Porém, mais que a reportagem, gosto de ver/ouvir/ler as versões e os comentários dos fatos, especialmente os políticos. Não somente daqueles que não presenciei, mas sobretudo dos que vi: para saber como foram vistos pelos meus semelhantes.

Aliás, há quem diga que o que realmente importa é a versão do fato; outros, filósofos, vão além: não temos acesso ao “fato em si”; portanto, todo o nosso conhecimento é uma espécie de versão. Se isso é “verdade” nas ciências da natureza, na ciência política é a pura Verdade. Sendo assim, ao cidadão importa conhecer as diversas versões dos fatos políticos.

Jornalista é quem anda atrás dos fatos. Desde os da última hora até os do último século. Os anteriores já têm as suas versões bem sedimentadas, e não podem ser redesenhados com o pincel do jornalismo, mas somente com as ferramentas da História, que também gosto de ler. Mas, se o jornalismo é parcial no desenho dos fatos (só à distância é possível ver algo em sua totalidade), a História é seletiva na preservação deles (escolhe os que merecem ser preservados, e o lugar que devem ocupar).

Porém, existem fatos passados – digamos, no último século – que já estão na História, e ao mesmo tempo são revolvidos pela própria História e escarafunchados pelo jornalismo. Isso porque ainda estão vivas as suas testemunhas presenciais ou não, em primeira ou segunda mão. Então, ainda podemos sentir os seus odores, ecos e sombras.

É o caso da Primeira e Segunda Guerra Mundiais, da Revolução Soviética e da Guerra Fria, da nossa República Velha e do nosso Estado Novo, do “68” francês e do “64” brasileiro, do rock inglês e da nossa Bossa Nova – tudo ainda se remexe e exala odores em aromas diversos e em diferentes intensidades. Até que destile todos os seus humores e esfrie. O que restar se consolidará e será emoldurado pela História.

Mas, conforme disse, os fatos já sedimentados ainda podem ser, e geralmente são, revolvidos pela própria História. Aqueles que já se cristalizaram exigem trabalho arqueológico para serem moídos e novamente reconstituídos. Não é impossível que surja um historiador prometendo mostrar-nos uma nova imagem da Civilização Egípcia, Grega, Romana ou Hebraica. Para não falar das Chinesa e Indu.

No extremo oposto, estão os fatos relativos a cada pessoa. Estes se cristalizam na respectiva memória, só podem ser revolvidos pelo pensamento do próprio indivíduo e, geralmente, aí morrem.

Mas o título acima sugere falar de eleições. E, se não estou falando, é nelas que estou pensando.

Vejo candidatos pedirem o meu voto com o argumento de que esta será uma “disputa histórica”; vejo analistas políticos dizer o mesmo em nome da ciência. Eu, que não sou candidato nem cientista, digo: toda eleição é uma disputa histórica. E todo candidato, de vereador ou fiscal de quarteirão a presidente de qualquer república, disputa, além do cargo e seus proveitos, um lugar na história.

Neste mês temos Trump e Biden disputando a presidência daquela América, e também um lugar na história. No Brasil, algumas centenas de milhares de cidadãos disputando publicamente um cargo de prefeito ou vereador. Intimamente, também disputam um nichozinho na galeria da história. E, no mundo inteiro está o coronavírus disputando com os cientistas a nossa saúde e a nossa vida.

O que, quem ficará na história? É o que eu me pergunto no calor dos fatos. Somente ela dirá. Mas arrisco prever que, mesmo derrotado pelos cientistas, o coronavírus ficará na história. No porão e ao lado do vírus da Gripe Espanhola.

 

Francisco Dias Teixeira, 67, é escritor.
Procurador da República aposentado,
é bacharel em Direito (PUC/SP) e
Filosofia (USP). Nasceu em Jequeri-MG
e vive em São Paulo, capital, desde os 16 anos.

 

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