Coprocapitalismo
"Merda de artista" (1961), de Piero Manzon (Foto: Jens Cederskjold/Wikimedia Commons)
Em “Copromancia”, publicado no livro Secreções, excreções e desatinos em 2001, Rubem Fonseca conta a história de um homem que, ao observar as próprias fezes no vaso sanitário, começa a se interrogar sobre o motivo pelo qual Deus teria feito o ser humano defecar. O conto apresenta um narrador ateu, com tendência a uma curiosa especulação metafísico-escatológica. A relação entre Deus e o ser humano é mediada pela merda, objeto oracular e, como tal, hermenêutico, a partir do qual se torna possível a leitura do futuro, no caso do conto, mas talvez mesmo a leitura do sistema simbólico patriarcal capitalista, no caso da vida.
O gozo do personagem com a merda escapa ao belo e sublime, clássicos assuntos estéticos analisados na Crítica da faculdade de julgar, de Kant, e lança os leitores no “nojo”, categoria pré-estética que voltou com força em certos momentos da arte contemporânea. No conto, a citação do artista italiano Piero Manzoni, que em 1961 expôs uma obra chamada Merda de artista, dá à narrativa um ar ainda mais irônico. Composta de pequenas latas de conserva com 30 gramas de matéria fecal, vendidas na época por 30 gramas de ouro, a obra causou sentimentos diversos. O artista também assinava ovos cozidos e mulheres nuas em performances nas quais a ideia de autenticação era o mais importante. Ícones de uma época, na esteira dos ready-mades de Duchamp criados décadas antes, as obras de Manzoni adquiriram valor histórico, embora alguns de seus compradores à época terem, posteriormente, jogado suas aquisições no
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