Contra a mera “tolerância” das diferenças

Contra a mera “tolerância” das diferenças

“É preciso tolerar a diversidade”. Sempre que me defronto com esse tipo de colocação, aparentemente progressista e bem intencionada, fico indignado. Não, não é preciso tolerar.

“Tolerar”, segundo qualquer dicionário, significa algo como “suportar com indulgência”, ou seja, deixar passar com resignação, ainda que sem consentir expressamente com aquela conduta.

“Tolerar” o que é diferente consiste, antes de qualquer coisa, em atribuir a “quem tolera” um poder sobre “o que tolera”. Como se este dependesse do consentimento daquele para poder existir. “Quem tolera” acaba visto, ainda, como generoso e benevolente, por dar uma “permissão” como se fosse um favor ou um ato de bondade extrema.

Esse tipo de discurso, no fundo, nega o direito à existência autônoma do que é diferente dos padrões construídos socialmente. Mais: funciona como um expediente do desejo de estigmatizar o diferente e manter este às margens da cultura hegêmonica, que traça a tênue linha divisória entre o normal e o anormal.

Tolerar não deve ser celebrada e buscada nem como ideal político e tampouco como virtude individual. Ainda que o argumento liberal enxergue, na tolerância, uma manifestação legítima e até necessária da igualdade moral básica entre os indivíduos, não é esse o seu sentido recorrente nos discursos da política.

Com efeito, ainda que a defesa liberal-igualitária da tolerância, diante de discussões controversas, postule que se trate de um respeito mútuo em um cenário de imparcialidade das instituições frente a concepções morais mais gerais, isso não pode funcionar em um mundo marcado por graves desigualdades estruturais.

Marcuse identificava dois tipos de tolerância: a passiva e a ativa. No primeiro caso, a tolerância é vista como uma resignação e uma omissão diante de uma sociedade marcadamente injusta em suas diversas dimensões. Por sua vez, no segundo caso, ele trata da tolerância enquanto uma disposição efetiva de construção de uma sociedade igualitária. Não é este, no entanto, o discurso mais recorrente da tolerância em nossos tempos.

Assim, quando alguém te disser que é preciso “tolerar” a liberdade das mulheres, os direitos das pessoas LGBT, a busca por melhores condições de vida das pessoas pobres, as reivindicações por igualdade material das pessoas negras, dentre outros segmentos vulneráveis, simplesmente não problematize esse discurso.

Admitir a existência do outro não significa aceitá-lo em sua particularidade como integrante da comunidade política. É preciso valorizar os laços mais profundos de reciprocidade e respeito pelas diferenças, o que só o reconhecimento, estágio superior da tolerância, pode ajudar a promover, como ensinou Axel Honneth.

Diversidade é um valor em si mesmo e não depende da concordância dos que ocupam posições de privilégios. Direitos e liberdades não se “toleram”. Devem ser respeitados e promovidos, por serem conquistas jurídicas e políticas antecedidas de muitas lutas.

O que não se pode tolerar é o discurso aparentemente “benevolente” e “generoso” – mas na verdade bem perverso – da “tolerância das diferenças”. Ninguém precisa da licença de ninguém pra existir.

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