Clássico e controverso
Lançamentos confirmam o lugar de Carlos Guilherme Mota entre os principais nomes da historiografia contemporânea nacional
Professor de história contemporânea na USP, de história da cultura na Faculdade Mackenzie e colaborador do curso de Direito da FGV, Carlos Guilherme Mota tem uma trajetória que sempre questionou os rótulos intelectuais e o senhorio de autoridades beneméritas. Sua tese de livre-docência Ideologia da cultura brasileira (1933-1974) já contestava de frente uma certa linha da historiografia brasileira que celebrava a universalidade conciliatória dos conflitos nacionais, que procurava insistir no mito social da cordialidade e da complacência ambígua nos diversos modos de relação entre classes: basta lembrar o conceito de “democracia racial”, elaborado por Gilberto Freyre. De quebra, Mota fornecia uma introdução à formação do pensamento brasileiro no século 20, buscando o substrato crítico capaz de reunir interpretadores de tradições distintas, como Fernando de Azevedo, Raymundo Faoro, Antonio Candido e Florestan Fernandes. Este último, aliás, não hesitou em classificar a tese como “obra já clássica”, enquanto Antonio Candido resumiu o livro como “do contra”.
Em tempos de amargas desmemórias (como mesmo lamenta o autor), são animadoras tanto a reedição de duas de suas obras maiores, devidamente contextualizadas para o leitor de hoje, quanto o lançamento de História do Brasil – uma interpretação, livro monumental com mais de mil páginas, escrito em parceria com a historiadora Adriana Lopez. Além do próprio Ideologia, que já passou por uma dezena de reimpressões e desta vez traz longa apresentação sobre o contexto originário e a “estranha” atualidade de suas teses, agora recebe uma nova edição também a dissertação de mestrado do historiador, A idéia de revolução no Brasil, acrescida de textos dispersos em torno de uma de suas temáticas preferidas: a idéia de nacionalidade e de identidades culturais. Influenciado pelo espírito universitário de época, então empenhado com as formas de pensamento e de mentalidades no processo histórico brasileiro, Mota analisa o ideário que aparece na trasição entre o sistema colonial e a ordem moderna nas últimas décadas do século 18, apontando para o caráter paradoxalmente conservacionista no gesto revolucionário da transição.
Embora considere o livro datado quanto ao recorte metodológico, subsiste a observação, ainda válida hoje em dia, de duas forças que atravessam nossa história: o discurso conciliatório das elites, alimentando a cultura da impunidade e do clientelismo, que remonta Pedro II; e a força da resistência à opressão, das quais a insurreição colonial e a insurreição republicana nordestina de 1817 são casos emblemáticos.
Já História do Brasil – uma interpretação propõe uma síntese crítica, voltada ao leitor não-especializado, dos principais eventos da história brasileira, destacando as personalidades que conduziram suas transformações políticas e econômicas. Ambição de sobrevôo e quase messiânica, poderíamos dizer, se levarmos em conta o grau cada vez maior de especialização do meio universitário. Mas, como indica o título, trata-se de uma interpretação, cuja estratégia historiográfica envolveu o desafio de narrar uma história livre de modismos, do jugo de uma facção universitária específica. Ou seja, o desafio de buscar retrospectivamente a tendência na série de mudanças estruturais em cinco séculos para melhor balizar a questão “quem somos nós”. Uma interpretação que denuncia mazelas e não esconde decepções, mas que apresenta os motivos para uma eventual e esclarecida esperança. (Eduardo Socha)
Histórias do Brasil – uma interpretação
Carlos Guilherme Mota e Adriana Lopez
(Editora Senac)
1056 págs.
R$ 150
Ideologia da cultura brasileira
Carlos Guilherme Mota
(Editora 34)
424 págs.
R$ 52
A ideia da revolução no Brasil e outras ideias
Carlos Guilherme Mota
(Editora Globo Livros)
496 págs.
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