A aspiração de liberdade do conceito de gênero
Laerte (originalmente publicada na Folha De S.Paulo em 11/5/2011)
É verdade que em seu livro mais recente, Quem tem medo do gênero? (Boitempo, 2024), a filósofa Judith Butler concentra esforços em compreender e enfrentar “o fantasma do gênero”, que paira como um espectro, assusta a moralidade e parece carregar em si toda a culpa pelos desvarios do mundo contemporâneo. Para quem enxerga na teoria crítica de gênero uma assombração, é como se tudo tivesse começado a dar errado no dia em que as pessoas generificadas decidiram denunciar que estavam sendo violentamente segregadas por ter um gênero – e, seguindo o argumento da própria filósofa, só as mulheres têm um gênero. Os homens não seriam generificados, supostamente, por ser portadores da universalidade do humano. Mulheres, mas também todas aquelas pessoas que não correspondem ao padrão do homem, heterossexual, marido, senhor e proprietário, são generificadas, são “dissidentes”, desviantes de uma heteronormatividade que se vale do gênero como elemento de segregação.
O fantasma do gênero, muito presente no livro de 2024, comparece na obra da autora desde 1990, ano da primeira edição de Problemas de gênero (Civilização Brasileira, 2003). Foi lá que ela escreveu, quase ao final do livro, que “o gênero é um ‘ato’, por assim dizer, que está aberto a cisões, sujeito a paródias de si mesmo, a autocríticas e àquelas exibições hiperbólicas do ‘natural’ que, em seu exagero, revelam seu estatuto fundamentalmente fantasmático”. E qual seria esse estatuto fantasmático do gênero? Em primeiro lugar, o desenraizamento da na
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