A tela e o fio: conversas com o tempo

A tela e o fio: conversas com o tempo
(Foto: Kelly Sikke/Unsplash)

 

Lugar de Fala é o espaço dos leitores no site da Cult. Todo mês, artigos enviados por eles são publicados de acordo com um tema. O de julho de 2020 é “tempo”


Tempo!

Toma conta de mim?

Você sabe! Houve um tempo que eu realmente desejava que você passasse mais lentamente, hoje quero que corra… Corra tempo corra…

Acelera estes ponteiros com o máximo de velocidade que puder

E quando a vida realmente fizer sentido

O senhor (re)passe mais devagar…

E novamente… Mais devagar

– Então é isso? É só fazer sentido?

Em que tempos os dias foram mais sentidos? Mais quentes? Mais sonhados?

Mais perfumados? Mais alegres? Mais molhados?

Nunca me recordo…

A memória se diluiu… Sim, se diluiu…

Pra quê carregar mais corpo? Mais memória? Mais peso?

Tira-me de mim a memória. Peço!

Não sou um compartimento de gavetas, não use os meus arquivos como se deles fosse o dono, os documentos?

Já estão meio velhos, meio gastos, estão se diluindo, estão se liquefazendo os registros da vida.

Tempo, tempo, tempo… Permita-me sentir a brisa!

E que venha outros arquivos de vida em solos moventes…

E depois senhor tempo, mas só no depois, carrega-me nos braços.

Não me burle dessa vez, não tente me burlar…

(Re)ssemantize-se, tempo!

Permita-me novos significados, não me tire a esperança no senhor, não me venha com conversas fiadas, seja vida novamente.

Vê? Já não tenho mais tempo…

Um carinho que seja… Um carinho apenas. Pois!

Quem não se queria um gesto? Em tempos intransitivos?

Que seja! Toma conta tempo, me toma, toma!

Dou-me por inteira, nos sulcos de minha pele você faz moradia.

Joguei a ausência de um futuro no meu presente.

Tempo fio…

Costura-me a pele-corpo-tela!

Fio a fio

Saliva-me

pinga-me

sangra-me

goza-me

esqueça-me

Tempo!

 

Marcela Lima, 49, é mineira, artista plástica, pesquisadora e professora de Artes do IFRO
– Instituto Federal Ciência e Tecnologia de Rondônia em de Juiz de Fora, MG. Atualmente reside em
Guajará-Mirim, RO. Publicou suas escrituras poéticas em diferentes Antologias no Brasil e em
Portugal. Destina-se a incentivar seres humanos na busca pela poética, pelo imaginário, pois o seu
mundo de dentro dorme e acorda no precisar de um pouco mais de delicadeza

 

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