A ditadura dos algoritmos e a informação para conformar o que já se pensa
(Arte Revista CULT)
Na coluna passada, falei sobre a crise da credibilidade do jornalismo e como ela afeta os negócios da indústria jornalística. Outra questão que irei abordar nesta coluna são os impactos das tecnologias da informação e comunicação na cadeia produtiva do jornalismo. Não se trata apenas de uma “concorrência” da plataforma digital com os suportes tradicionais (impresso, áudio-visual). Mas uma mudança na estrutura produtiva por conta da mudança que estas tecnologias tem realizado em todos os ramos de produção. Em outras palavras, a “acumulação flexível” também chegou na indústria jornalística.
O jornalista e pesquisador Caio Tulio Costa é autor de uma pesquisa realizada na Universidade Columbia em 2013 na qual parte do pressuposto que as TICs são “tecnologias disruptivas” (conceito proposto por Clayton Christensen), que desarticulam modelos antigos de produção e forçam a constituição de novos arranjos produtivos.
Escreve Caio Túlio: “Conforme Christensen, a fotografia digital é uma tecnologia disruptiva em relação à do papel fotográfico normal. A telefonia móvel o é em relação à telefonia fixa. Redes de comunicação por pacotes (que formam a internet) o são em relação às redes de comunicação comutadas por circuitos (como na telefonia fixa). Smartphones também o são em relação aos computadores de mesa. Educação a distância o é em relação à educação clássica na sala de aula com professor, lousa e alunos. Assim como a impressão em três dimensões, que rapidamente vai se sobrepor a qualquer tipo de impressão já vista. A angioplastia contra a intervenção cirúrgica cardíaca com bisturi ou o varejo online contra o varejo tradicional”.
A desarticulação dos processos produtivos tradicionais dá-se, principalmente, pela fragmentação da cadeira produtiva da indústria jornalística. Os grandes conglomerados midiático-jornalísticos concentravam o controle de todos os processos da produção – do conteúdo jornalístico (a redação), da circulação (distribuição, pontos de venda, assinaturas), produção industrial (gráfica) e o departamento comercial (venda de anúncios publicitários, classificados). As tecnologias disruptivas rompem esta cadeia unificada. No jornalismo digital, a circulação é controlada pelas plataformas de distribuição (redes sociais, provedores, etc), pelas empresas responsáveis pelas estruturas de cabeamento de redes; as verbas publicitárias migram para redes sociais e sites de busca e a produção industrial se concentra nas empresas que fabricam os equipamentos (dispositivos móveis, notebooks, computadores).
No estudo de Costa, do total do faturamento do setor de mídia, apenas 7% destina-se a produção de conteúdo. A maior parte (60%) para as empresas de telecomunicações que são responsáveis pela estrutura de cabeamento e fornecimento do sinal da rede; 13% para o setor de produção dos equipamentos e 20% para o setor de circulação. Um outro dado importante é que dos 12 maiores conglomerados de mídia do mundo, três são redes sociais ou sites de busca: Facebook, Google e Baidu (rede social da China).
No relatório intitulado Reuters Institute Digital News Report 2017 produzido pelo Instituto Reuters, da agencia de notícias britânica, feito em parceria com a Universidade Oxford, outros dados demonstram a mudança deste ecossistema midiático-jornalístico:
a) Em seis anos de pesquisa, foi detectado um crescimento das mídias produtos de parcerias da televisão com as redes sociais e um decréscimo do jornalismo impresso;
b) Nos dois últimos anos tem crescido o acesso às notícias por meio das redes sociais (Facebook e Twitter)
c) No último ano (2016) da pesquisa, a expansão das redes sociais nos países analisados como ferramenta de acesso às notícias teve um crescimento menor.
A pesquisa da Reuters aponta que a maioria dos entrevistados (54%) considera que a seleção feita pelas redes sociais por meio dos seus algoritmos mais confiável que a seleção feita por editores ou diretores responsáveis de órgãos jornalísticos. Entre os com menos de 35 anos, este índice sobe para 64%.
Esta situação é muito interessante pois a desconfiança expressa pelo público em relação aos meios jornalísticos, conforme foi comentado na coluna passada com base no relatório da Universidade de Harvard abriu um espaço para um outro tipo de controle, desta vez feito por algoritmos definidos pelas empresas que monopolizam as redes sociais. E alguns aspectos deste controle algorítmico são importantes e passam despercebidos pela maioria, o que dá a impressão que a rede é um espaço “neutro” e que garante a “diversidade”.
Caio Túlio Costa aponta no seu estudo o impacto do edge factor do Facebook no alcance das notícias divulgadas pelos órgãos jornalísticos nesta rede social. O depoimento de um colunista de um importante jornal estadunidense mostra que à medida que este filtro foi sendo aplicado, os compartilhamentos, comentários, curtidas e alcance geral das suas notícias se reduziu drasticamente.
Outras informações importantes estão contidas no relatório. A primeira refere-se ao crescimento mais lento no ano de 2016 do acesso às notícias via redes sociais. O relatório apresenta duas hipóteses para tanto: a primeira é uma possível saturação do mercado e, a segunda, o impacto da alteração dos algoritmos do Facebook, que prioriza a interação nas bolhas de relacionamento (como familiares e amigos), deixando em segundo plano as páginas dos órgãos jornalísticos.
A segunda informação é a ação dos próprios usuários. Segundo a pesquisa da Reuters, pelo menos 30% dos entrevistados disse que bloqueiam o acesso de pessoas que tenham opiniões ou visões distintas da sua. Com isto, além dos algoritmos favorecerem a interação em círculos mais íntimos, a ação dos usuários de rede também fortalece a interatividade dentro de bolhas de comportamento e opinião.
Isto significa que as informações que são acessadas via redes sociais não são produto de um gatekeeping (filtragem) dos comandos das redações dos grandes jornais apenas. Mas passam pela filtragem deste complexo sistema distributivo, em que os algoritmos das redes sociais, dos quais o Facebook lidera com folga, tem papel fundamental. Com isso, os critérios de qualidade da informação deixam de ser predominantes no impacto na sociedade, o que vale mais é a capacidade de determinada informação (seja ela verídica, fake news ou sem relevância) atingir e se espraiar dentro de determinadas bolhas. Isto talvez seja um dos motivos pelo crescimento das narrativas mais assertivas no jornalismo tradicional, pois o que importa é dizer o que determinado público gostaria de ouvir, ainda que seja baseada em premissas falsas, em preconceitos e estereótipos ou informações duvidosas ou inverídicas.
Outro aspecto importante que iremos abordar na próxima coluna é a absorção da maior parte dos recursos do capital mídia por parte destas plataformas distributivas. Estes novos conglomerados midiáticos não produzem conteúdo, mas ganham em cima do conteúdo produzido pelos usuários. Daí então que a produção de conteúdo – inclusive o jornalístico – perdeu espaço enorme no bolo do capital mídia em benefício do gerenciamento dos processos distributivos. Este é mais um capítulo desta sociedade da netcracia.