A batida perfeita

A batida perfeita

São 56 anos de profissão, mais de 600 parcerias musicais – com músicos do calibre de Elizeth Cardoso, Chico Buarque e Ney Matogrosso –, três álbuns em que canta e compõe e mais um sem-número de discos em que tocou bateria. Aos 74 anos, o carioca e sambista dos bons Wilson das Neves apresenta seu novo trabalho, Pra Gente Fazer Mais um Samba. Segundo o parceiro de longa data Chico Buarque diz, no encarte do CD, “este disco nos traz de volta o grande melodista que é Wilson das Neves (…). Aí está ele com sua graça, com a ginga que é só dele, com essa voz que deve ser rouca das ruas, eis aí Wilson das Neves cantando versos prenhes de sabedoria popular”. Com vocês, o mestre.

CULT – O senhor pode me dizer qual é a sua primeira lembrança musical?
Wilson das Neves –
A minha primeira lembrança é que na casa da minha família tinha muita festa, se escutava muito rádio e tinha muito conjunto de chorinho tocando. O pessoal era da Bahia, então, fazia aquelas rodas de samba para cantar para os orixás, depois cantava partido-alto, depois fazia a festa. A minha tia contratava conjunto de choro para tocar na casa dela. A festa era regada a regional, depois a jazz-band, como se chamava na época, que eram aqueles conjuntos de bateria e banjo, mais tradicional. Era assim, na década de 1940.

CULT – Quando soube que tinha nascido para fazer música?
Wilson –
Comecei estudando bateria com um ídolo meu que já faleceu, que era o Edgar Nunes Rocca, o Pituca, que era baterista. Eu o acompanhava nos bailes, ajudava a carregar e montar o instrumento, mas ia mesmo para dançar. Gostava de ver os instrumentos, a bateria, de assistir à orquestra tocar. Um dia ele perguntou se eu não queria estudar bateria, eu disse que sim e ele me levou para a escola. Isso em 1954. E nunca mais parei, até hoje. Nunca fiz outra coisa, a não ser isso.

CULT – Então a bateria acabou escolhendo o senhor?
Wilson –
Ah, com certeza. Não fui eu que escolhi, não. Ela que me namorou. E nessa daí, meu irmão mais velho e o mais novo foram estudar bateria. O mais velho, Alberto das Neves, já faleceu. E o Walter Neves, que vive na Bélgica, também é baterista.

CULT – Foi só depois de quase 40 anos de carreira que decidiu começar a cantar. Por que aconteceu assim?
Wilson –
Eu não decidi nada… Tudo na minha vida não é planejado, acontece. Eu sabia que queria estudar um instrumento, mas não sabia qual. Acabei estudando bateria e me profissionalizei. Mas esse negócio de cantar é uma outra história, porque eu pensava em compor, em fazer música. Comecei a fazer e guardava. Depois, Paulo César Pinheiro me deu a oportunidade de colocar letras em minhas músicas, Chico Buarque também, e vieram vários compositores. Aí, me chamaram para fazer um disco instrumental e eu falei que não queria, porque já tinha feito cinco. E sabe como é disco instrumental… As pessoas não estão encaminhadas para isso. O disco instrumental, no Brasil, não funciona muito. Então, falei que tinha as minhas músicas prontas e queria gravá-las. Aí, virei cantor de repente.

CULT – Para quem o senhor mostrou?
Wilson –
Para o produtor Esdras [de Souza Pereira]. Ele que me convidou para fazer parte do projeto.

CULT – Aí não parou mais…
Wilson –
Não parei mais. Me chamaram para fazer o segundo. Agora fiz o terceiro. Porque, se eu não gravar as minhas músicas, quem vai gravar? [risos]

CULT – Das mais de 600 pessoas com quem o senhor já tocou, por quais parcerias tem mais carinho?
Wilson –
Isso, gravei, toquei… Ah, tem vários, todos me trataram bem. Com especialidade, Chico Buarque, Elizeth Cardoso e Ney Matogrosso.

CULT – Por quê?
Wilson –
Eles tratam o músico como se fosse parente [risos]. Dividem o palco, não são estrelas. Dividem a responsabilidade com os músicos, porque, afinal de contas, eles não cantam sozinhos. A maioria não presta muita atenção nisso, não. Não estou condenando ninguém, cada um age da sua maneira. Mas, depois de 56 anos de profissão, percebo como as pessoas tratam o músico, a atenção que lhe dispensam, o respeito. E a maioria é desconfiada com o músico.

CULT – Momento memorável da carreira?
Wilson –
Ah, tem vários. A minha primeira gravação é um deles. Eu participei da trilha sonora do filme Orfeu do Carnaval; gravei um playback para a Elizeth Cardoso colocar a voz em cima, em 1958. A partir daí comecei a gravar com todo mundo. Depois, trabalhei com Elizeth por 25 anos. Era uma cantora fabulosa. Elis Regina, Chico Buarque, Wilson Simonal, Claudete Soares, eu já toquei com todo mundo. E gravei com a maioria dos cantores. Naquela época não tinha essa coisa de muito rock, então eu gravava, gravava tudo.

CULT – O disco novo vem oito anos depois de Brasão de Orfeu. Está feliz com o resultado?
Wilson –
Muito satisfeito com o trabalho. Aliás, com os três, mas eu acho que, à medida que vamos fazendo outros, temos mais calma, menos precipitação. E a coisa está indo muito bem.

Pra Gente Fazer Mais um Samba
Wilson das Neves
MP,B/Universal
R$ 28

Ouça o disco novo no www.myspace.com/wilsondasneves
Para assistir ao vivo e a cores, Wilson das Neves estará no SESC Santana, avenida Luiz Dumont Villares, 579, Santana, São Paulo, SP, tel.: (11) 2971-8700, nos dias 4 e 5 de setembro

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